sábado, 20 de julho de 2013

W.J.SOLHA: ESSE É O HOMEM - EXCERTO II

(Joan Miró)


Um alvíssaro pássaro atordoado de repente salta ao poema,
em estabanado grito e clarão

e a onda se arrebenta na explosão de espuma,
e em seguida se esfuma,
desmaia,
desliza,
lisa, 
na praia,
em que o céu,
que ela espelha,
se espalha,

e um movimento sinfônico de volutas corre por uma saia e uma blusa em várias permutas e se solta dos panos pros braços e mãos e se franze,
em rendilhada água,
no ar,
ao ser lançada da bacia – agora vazia – pro mar,

e a garça,
assustada,
se alça e se esfalfa em vultos alvos de asas, já acima das casas

e ultrapassa um balão que sai,
céu acima,
excesso e exceção da Terra, que em mais-leve-que-o-ar se sublima.




Nuvens passam,
largas,
veículos-e-cargas,

são frotas de caravelas,
leves e belas,
ou galeões com trovões sem canhões fazendo escarcéu,
no oceânico céu



e Veneza é água e pedra,
Iago 
e mágoa,

mas poderia ser ...  Viterbo
e rimaria com Verbo,
que tem tanto do Logos quanto o Iago do evangelho - nesses jogos - tem do Ya´akob hebraico,
vertido como Jacó,
no Testamento Arcaico,

Daí  Sant´Iago,
que na salerosa Cæsaraugusta - que logo será Zaragoza - passará a se chamar
San... Tiago,

igual ao persa biring – cobre – que, após tanta degeneração – dez, onze – no que se dispersa,
acaba gerando – entre nós - bronze,
a mesma história
pobre
de pássaro,
que veio do latino passer,
pardal,
quando pássaro era – na verdade - avis,

chaves que mostram como somos como estradas e rios,
cheios de altos e baixos e jamais em reta - tendo até extravios – mas com meta.


W.J.SOLHA: ESSE É O HOMEM - EXCERTO I

(Paul Klee)


Flagrem-se os mistérios.
Do vidro, do espelho, do sonho.
Dos
cemitérios.

Flagrem-se negras noches y blancos días
quadrinizados pela primeira vez no extraordinário e antiquíssimo calendário abstrato xadrez,
em que se põe em jogo nossos sueños  - todos - y agonias.

Flagre-se o horizonte, que – quando chega - quica na mente e é outro,
distante,
como cada amanhã quica a cada manhã,
e é outro,
adiante,
ao tempo em que o que é hoje,
quica pra trás
e é ontem,

tudo tão louco quanto,
do barco - que parece parado – ver o cais que chega,
pesado,

tão  droga na veia quanto ponteiros mostrando, na lua cheia,
que são três e meia,

ou arte,
cujo  fim põe o arremesso,
o começo,
onde se sabe - sem receio - estar a verdade:
no meio,

arte  – sem véu:
círculo branco,
que é lua,
se em campo azul,
que é o céu.





Flagre-se o rio,
que vem no planalto,
e tem,
de repente,
o susto,
salto,
e,
do fundo,
volta,
vê o mundo
e segue,
aos trambolhões,
na planície,
até que a normalidade lhe volte
à superfície,

entre mármores e granitos de atlântidas,
babilônias e
egitos,

enquanto o geométrico plantio cada vez mais constrange a indisciplinada mata,
até onde a vista abrange,
e a encurrala,
cada vez mais rala,
e a mata.

Flagre-se a transição da vigília – com fome - ao sono,
quando,
por exemplo,
a onda se ergue de surpresa - grande e negra – cheia de garras e presas,
contra o dólmen,
que é – de fato – feto do templo
do Homem.

Aí o fogo se eleva,
queimando a treva.





Flagrem-se os teus olhos – com teus universos – correndo por estes versos como  num aqueduto,
ou como trem, célere, num viaduto,
a  sombra a se precipitar,
encosta abaixo,
pro vão nas pedras,  nas quais salta – numa zoada de sismo - do close pro abismo,
em que trepida nas lápides, lépido,
e,
ziguezagueando rápido,
sobe,
do outro lado,
pela pedreira,
na barulheira estúpida,
até ver,
no  alucinatório movimento giratório dos braços de aço que se esfalfam nas rodas da ativa locomotiva,
o Tempo à toda, 
em busca do Espaço em que se possa  - em paranoia – ter a destruição de Ílion,
Tróia de Virgílio,
Spartacus crucificado entre os pinheiros da Via Ápia -  entre Roma e Cápua -,
ao lado de seus companheiros,
a zoom agora em Ulisses – com nome de Bloom -  na odisseia incomum da ideia, em 1904,
de que Joyce faz o retrato,
a luz, então, sobre Quixote e  seu ogro,  que são Gordo e o Magro e – de repente – são esguio e dourado androide,  mais o roliço e baixote esquizoide,
figuras que somente iremos vê-las
na guerra das estrelas,

o tempo do vento fazendo girar os ponteiros loucos do moinho,
que não são poucos,

daí Metropolis cheia de aviões entre elevados com trens e automóveis correndo pra todos os lados,
como as atuais megalópoles,

ou a pintura  – inesperada, em ruínas cheias de epopeias – da jarra de vidro com água de coco,
em Pompeia,

ou a tira em quadrinhos de ação contínua que vai em caracol, do chão ao sol, na coluna que é sintoma da grandeza de Trajano,
em Roma,
na qual milhares de soldados
em sólido 3-D,
superam – na superprodução – os milhares de  guerreiros chins,
de terracota,
em tamanho natural,
do imperador Qin,

e a Evolução sofre a
revolução:
onde o início,
o fim?

segunda-feira, 1 de julho de 2013

JORGE ELIAS NETO: POEMA

(Hannah Höch)
 
O limite da razão
 
 
Os búzios
já não despejam ondas
e eu me despeço.
 
De resto,
somente uma
          suposição:
 
a questão passará a ser simples
quando dissermos: talvez...

JORGE ELIAS NETO: POEMA

(Raoul Hausmann)
 
 
 
Rebelde
 
 
Tardes perdidas existem
para que me negue
           aos teus caprichos.
Nelas, renuncio a tudo:
do alfabeto
aos sons
impregnados de incertezas.
O silêncio – pago adiantado.
Perdão é presságio de erro.
E o medo da solidão –
                  um desperdício.

JORGE ELIAS NETO: POEMA

(Paul Klee)
 
 
Nuage
 
 
Jamais percebi o tamanho
de tua sombra.
                         Mas, em certos dias,
          como hoje,
ela preenche
          a imensidão
                         do horizonte.

JORGE ELIAS NETO: POEMA

(Vermeer)
 
 
Politeísmo
 
Costumam rir dos meus Deuses
 
 
Antes que o Céu
           se incumbisse
do sumiço das estrelas
o menino desenhou
um Sol para cada País.