quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

MARIEL REIS: POEMA


(Alfredo Volpi)
 
 

O dia de meus anos
 
 
 
Para W.J. Solha
 
 
 
É o dia em que faço anos.
 
Nenhuma ou pouca importância.
 
Lá, no quintal, estão as crianças
 
E eu, aqui, dentro do quarto,
 
Rabisco no caderno as lembranças.
 
 
 
É o dia em que faço anos.
 
E lá fora também o devem comemorar
 
As coisas com nascimento remoto
 
Com pouca ou nenhuma consciência
 
Que nasceram e nada sabem do ciclo
 
De crescer, amadurecer, ter filhos,
 
Morrer confinado em lembranças
 
 
 
De um distante domingo,
 
Com amigos na varanda. Discutíamos
 
Heráclito, Píndaro e Ovídio
 
E não nos molhávamos mais no mesmo rio
 
Que um dia nos banhou em nossa infância.
 
 
 
E não nos afligíamos.
 
 
 
É o dia em que faço anos.
 
Costuma-se celebrar o antigo,
 
Aquele que mais tempo leva a desgastar-se
 
Aquele que o tempo não tem como inimigo
 
E passa os dias a juntar-se do que foi vivido.
 
 
 
É um dia de celebração, enfatizam os filhos.
 
Cercado pelas fotografias amarelecidas,
 
Constato que outro me habitava tão diferente...
 
Mas será comigo reduzido a nada
 
Nesse tempo tão presente.

MARIEL REIS: POEMA


(Marc Chagall)
 
 
ALICE
 
 
 
Desmonta a noite,
 
Com suas mãos infantis.
 
Recolhe as estrelas,
 
E arruma-as em uma caixa
 
Forrada de veludo vermelho.
 
 
 
A lua, com certo tremor,
 
Pede minha ajuda para colocá-la
 
Na moldura do espelho.
 
 
 
Desprende o manto negro
 
Presos por alfinetes no espaço,
 
Dobra-o e o deposita no fundo
 
Da gaveta do dia, repleta de claridade.
 
 
 
Esgarça o algodão e o cola sobre o azul
 
Do forro do vestido.
 
E, como Alice, grávida de sol,
 
Abre as pernas
 
Para que o dia amanheça.


MARIEL REIS: POEMA

 
(Renoir)
 

O Banho
 
 
 
Ao longo dos braços brancos
 
As marcas dos meus desejos,
 
Todas sulcadas: pequeno riacho
 
Por onde escorre a água do batismo
 
Do meu amor tardio que se calava.
 
 
 
Sobre o ventre macio se formava
 
Uma pequena ilha onde me refugiava,
 
As ondas mornas partiam a cada movimento
 
Das suas mãos espadanando como peixes
 
Que invadiam as minhas madrugadas.
 
 
 
O esmalte da banheira em que você deitava
 
Os pés apoiados em sua borda como plantas,
 
E sua voz ensangüentada. E a água resvalava
 
Por seus seios, instalada como em uma varanda
 
Eu escrevia meus anseios em uma tábua
 
 
 
Tal profeta que nada soubesse sobre a tarde
 
Que descia discreta sobre as suas pálpebras,
 
E descesse à floresta submersa e de lá arrancasse
 
As hordas em disparada dos deslumbramentos
 
Refletidas em sua fronte prateada.
 
 
 
Ao longo dos seus bocejos esvoaçam tranqüilos
 
O bando de nuvens estacionado em seus olhos,
 
De sua boca levemente escorrem os salmos
 
Dos navios desembocados na morte e lá o aviso,
 
Para os que escaparam de tal sorte:
 
 
 
“Desvia-te, ó peregrino, de terras movediças”.