terça-feira, 26 de abril de 2011

FRANZ KAFKA: AFORISMOS





Compreender a ventura de que o chão, sobre o qual estás parado, não pode ser maior do que os dois pés que o cobrem.


Como se pode estar satisfeito com o mundo, a não ser quando nele se exile?


Vivemos em pecado não somente porque comemos da Árvore do Conhecimento, mas também porque ainda não comemos da Árvore da Vida. Pecaminoso é o estado em que nos encontramos, independente de culpa.


Um primeiro sinal do conhecimento nascente é o desejo de morrer. Esta vida parece insuportável; uma outra, inalcançável. Não há mais vergonha em se desejar morrer; pede-se apenas o deslocamento da velha cela, que se odeia, para uma nova, a qual no devido tempo se aprenderá a odiar. Um resquício de fé deverá fazer crer, durante a mudança, que o Senhor vai casualmente surgir no corredor, olhar o prisioneiro e dizer: “Este não deve ser preso novamente. Ele vem comigo”.

sábado, 16 de abril de 2011

ENTREVISTA COM A POETA HELENA FIGUEIREDO




1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?

Desde muito pequena, fui habituada à presença dos livros. Meu pai, um simples agricultor, frequentava a Biblioteca do concelho e enchia a casa de histórias, que depois me lia ao adormecer. Mais tarde, eu própria me deslocava alguns kilómetros a pé, só para ter o prazer de ficar no meio daquele cheiro intenso acabado de chegar de Lisboa, nossa capital (a Biblioteca pertencia à Fundação Calouste Gulbenkian ). Daí, até apanhar o vício da leitura, foi um pequeno passo. Passava horas a ler desde as deliciosas aventuras, aos imortais romances e a magia das palavras era um mundo novo, que se ia construindo no meu inconsciente. A poesia propriamente dita, surgiu mais tarde, nos bancos da escola, onde aprendíamos e até decorávamos, alguns poemas dos grandes nomes da literatura portuguesa. A poesia declamada sempre me encantou. João Villaret, Mário Viegas, e o poema ganhava vida, na suas vozes radiofónicas. Sempre escrevi poemas, inicialmente em cadernos de capas pretas, tipo diário, depois segui com a vida, construí família, carreira, mas a poesia sempre foi um cunho imprimido no discurso de cada dia. Escrevi um texto precisamente sobre isso, que pode ser lido em http://noreinodacriatividade.blogspot.com/2008/10/renascer.html. Em 2008, criei o Blogue "Teatro de Sombras", onde continuo a publicar alguns poemas da minha autoria.



2) – Quais são suas influências literárias?


O homem é um ser mutante, influenciável. Seja um gesto, um odor, uma paisagem, um sentimento, um simples olhar, e nunca mais seremos os mesmos. Nesta perspectiva, deixo-me influenciar pela vida, pelas emoções, pela natureza, também por todos os livros que li, mas, talvez seja imodéstia afirmá-lo, não tenho influências literárias propriamente ditas, no sentido mais concreto da expressão. Recuso seguir normas, padrões, tendências, sou um pouco naïf na maneira de escrever.


3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?


Como disse atrás, nós somos, nós e a nossa circunstância, vivemos contextualizados, mas se estivermos atentos, nunca a vida será uma rotina, centelhas de novo despertarão a cada momento a nossos olhos. E o poema germinará, devagarinho, destabilizando emoções, inquietando, crescendo na luz que nos habita e num dia qualquer, sem pré-aviso, ei-lo que chega, pronto a saltar para o papel. Nesse momento, sento-me, pego no lápis e espero. Há poemas que nascem prematuros, necessitando de cuidados. Esses, ficam retidos no rascunho, cinzelados aqui e ali, noites a fio, até que já não precisem de mim. Outros, porém, aguardam apenas que alguém os leia, nada mais.



4) – O que é poesia para Helena Figueiredo?


Poesia, é estar viva, é sentir esta inquietação no peito, é ser veículo do belo, do intemporal, é ter prazer no silêncio e deixar que as palavras jorrem de dentro de mim.


5) – Como você vê a relação entre a poesia contemporânea brasileira e a poesia contemporânea portuguesa?

Ambas, embora peculiares, pertencem a um mesmo povo, irmão de sangue e de história, são património valioso, que será imortal, enquanto o homem quiser.

6) – No Brasil, independentemente do fato de que se lê pouco, a poesia tem pouca divulgação e espaço entre leitores. Comente sobre a questão da leitura de poesia em seu Portugal.

O mesmo se passa, aqui em Portugal . A proliferação dos meios audiovisuais como o computador e a Internet, vieram sem dúvida, aumentar a divulgação de novos poetas, pessoas completamente desconhecidas, que de outra forma nunca chegariam ao público. No entanto, um maior conhecimento das obras poéticas, não influenciou, no meu ponto de vista, o interesse pela sua leitura. Ler poesia, não é como ler um romance policial, desses que acabam com a morte do ladrão e um beijo de amor. Ler poesia, requer sensibilidade, um mergulho na mensagem, para que dela nos apropriemos e o poema se torne universal. Aqui em Portugal, a divulgação da poesia na rádio e televisão é praticamente nula. Haverá meios mais acessíveis do que esses, para pôr as pessoas em contacto com a arte poética? Estamos a falar, e penso que posso englobar o Brasil nesta análise, em povos com poucos recursos, e onde o livro impresso, essa preciosidade insubstituível, aparece, quase sempre, associado a objecto de luxo.



7) – No Brasil, a poesia portuguesa parece restrita a nomes como Fernando Pessoa e Camões. Muitos ignoram nomes como António Ramos Rosa, David Mourão Ferreira, Sophia de Mello Andresen Breyner, Florbela Espanca, e autores clássicos como Antero de Quental e Cesário Verde. Como você vê a questão da predominância de poetas que acabam por restringir o conhecimento de outros nomes da poesia portuguesa?


Essa questão, prende-se muitas vezes, não com a qualidade da poesia, mas com uma série de outros factores, alheios ao poeta e à sua obra. Todos os organismos que se dedicam à divulgação de novos autores, ou mesmo áqueles que já falecidos, deixaram um espólio fantástico, digno de ser conhecido, são condicionados por fortes interesses económicos, políticos e até religiosos, que travam em grande parte a divulgação das obras. Atente-se por exemplo na inclusão, ou não, de alguns autores nos compêndios escolares. Qual o critério?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

AGUSTINA BESSA LUÍS: AFORISMOS



As primeiras impressões não são decisivas. Às vezes são fatais mas não decisivas.

Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida - e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus.

As guerras não surgem por motivos económicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior.

A frivolidade é também uma forma de hipocrisia porque as pessoas não são aquilo. A pessoa, quanto mais frívola nos parece, mais esconde a sua natureza profunda.

Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito, ainda que a obra, relativa à nossa exigência, nos pareça medíocre.

Mas o que são os vaidosos senão os que temem a sua nudez? Os que evitam o retrato da alma para não lhes descobrir tormento e debilidade?

É extraordinário como nos tornamos violentos quando queremos agradar ao mundo. Agradar ao mundo resume o comportamento da sociedade nos seus aspectos mais retóricos.

A intimidade excessiva desencadeia a hostilidade.

Pode-se não recordar os insultos; mas guarda-se deles um amargo de experiência, feia como uma cicatriz. E isso envelhece a alma, torna-a ruinosa e inútil.

A infância vive a realidade da única forma honesta, que é tomando-a como uma fantasia.

O humor ilude-nos como uma faísca num campo escuro. A verve um tanto imoderada, uma corrupção do sentimento que se faz galhofa, um medo de ganhar nome de suspeita virilidade. Quem não troça é beato ou é eunuco.

O humor é, nas pessoas, um elemento terrivelmente desconhecido. Pode unir um povo inteiro como o não fazem os costumes e a própria língua.

Na nossa sociedade, que se entende por permissiva, não há afinal homens exemplares. Há só leis que substituem o exemplo; há só alíneas morais que estão em vez dos actos reais e da sua humanidade.

Parte da originalidade dum escritor depende das fontes dos seus plágios. É preciso dominá-las bem para poder usá-las da maneira mais convincente.

O homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

DIVERSOS AFINS- UM GRANDE TRABALHO EM PROL DA ARTE E POESIA

É uma honra muito grande participar novamente do belíssimo trabalho desenvolvido no espaço literário Diversos afins. Três epigramas de minha autoria estão lá. Convido os leitores do Poesia Diversa para apreciarem esse belo espaço de cultura na web. www.diversos-afins.blogspot.com

terça-feira, 5 de abril de 2011

EMIL CIORAN




É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…

Emil Cioran – Breviário da decomposição.

domingo, 3 de abril de 2011

OSCAR WILDE: AFORISMOS


Experiência é o nome que todos dão aos seus próprios erros.

Hoje em dia conhecemos o preço de tudo e o valor de nada.

O homem pode acreditar no impossível, mas nunca acreditará no improvável.

As circunstâncias são o acoite com que a vida nos fustiga. Alguns de nós o recebem diretamente na carne, outros por cima das roupas. Esta é a única diferença.

Receio que as pessoas de bem sejam a causa de infinitos males neste mundo. A pior coisa que fazem é certamente atribuir tamanha importância ao mal.

Na verdade, o homem não busca nem o prazer nem a dor, mas sim apenas a vida. O homem procura viver intensamente, completamente, perfeitamente. Quando conseguir fazer isto, sem lesar a liberdade alheia e sem nunca ser lesado, quando todas as suas atividades só lhe proporcionarem satisfação, ele será mais saudável, mais normal, mais civilizado, mais si mesmo. A felicidade é a medida pela qual o homem julga a natureza e avalia até que ponto está em harmonia consigo mesmo e com o ambiente.

Sempre percebemos alguma coisa ridícula nas emoções das pessoas que deixamos de amar.

A beleza é a única coisa contra a qual a força do tempo é vã. As filosofias se desmancham como areia, as crenças sucedem-se uma após a outra, mas o que é belo é uma alegria para qualquer época, e é algo que pertence à toda a humanidade para sempre.

SOPHIA DE MELLO ANDRESEN BREYNER: POEMA




A PURA FACE

Como encontrar-te depois de ter perdido
Uma por uma as tardes que encontrei
O ser de todo o ser de quem nem sei
Se podes ser ao menos pressentido?

Não te busquei no reino prometido
Da terra nem na paixão com que eu a amei
E porque não és tempo não te dei
Meu desejo pelas horas consumido

Apenas imagino que me espera
No infinito silêncio a pura face
Pr'além de vida morte ou Primavera
E que a verei de frente e sem disfarce

sábado, 2 de abril de 2011

ANTÓNIO RAMOS ROSA: POEMA



A Mulher

Se é clara a luz desta vermelha margem é porque dela se ergue uma figura nua e o silêncio é recente e todavia antigo enquanto se penteia na sombra da folhagem. Que longe é ver tão perto o centro da frescura e as linhas calmas e as brisas sossegadas! O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço que no umbigo principia e fulge em transparência. Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo que em espiral circula ao ritmo da origem. Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa. O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar. Quase dorme no suave clamor e se dissipa e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.

DAVID MOURÃO FERREIRA: EPIGRAMAS




EPIGRAMA


Hão de chegar-me pouco a pouco os bens do mundo,

como chega o socorro ao barco naufragado:

quando o mar estiver calmo, o navio no fundo,

o óleo derramado.



EPIGRAMA PARA UMA SEGUNDA DESPEDIDA


Eis o que espanta: ainda nós sabemos


os gestos rituais de despedida!


E, tarde ou cedo, à noite adormecemos,


embora sem a alma adormecida.




EPIGRAMA PARA UMA TERCEIRA DESPEDIDA


Eu vi a eternidade nos teus dedos!

Eu vi a eternidade, e amedrontou-me

Saber, tão de repente, tais segredos.

-- Eu não mereci, sequer, saber-te o nome.



INSCRIÇÃO SOBRE AS ONDAS



Mal fora iniciada a secreta viagem

um deus me segredou que eu não iria só.


Por isso a cada vulto os sentidos reagem,

supondo ser a luz que deus me segredou.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

ENTREVISTA COM A POETA SÔNIA BRANDÃO




1) – Como ocorreu seu contato inicial com a literatura?

Logo que aprendi a ler. Ganhei uma coleção de 12 livros de histórias infantis, que me fascinaram. A partir daí não parei de ler.


2) – “Desde o dia em que nascemos/ o espelho nos vê como terra”. Sua escrita expressa uma forma contemplativa ou reflexiva sobre as coisas, transitando por gêneros lingüísticos como o aforismo. Comente essas características.

Prefiro não chamar de aforismo o que escrevo. O aforismo trabalha com ideias, eu apenas tento criar imagens com o mínimo de recursos.

3) – “Entre anjos, arcanjos e potestades/ estou onde deveria estar.” O máximo no mínimo. Brevidade e concisão. Lirismo e reflexão. Seus escritos poéticos expressam uma legítima confluência entre imagens e conceitos lembrando o escritor Antonio Porchia. Comente sobre suas influências literárias.

Os poetas que eu mais leio são João Cabral, Drummond, Eugênio de Andrade, Ledo Ivo, Fernando Pessoa. Posso ter esquecido algum. Agora, não sei dizer que influência recebi de um ou outro.


4) – Como é seu procedimento ao escrever?

Busco a economia de linguagem. Quando um poema sai mais longo, muitas vezes é cortado. O objetivo é chegar ao essencial.


5) – Qual sua visão sobre a internet como espaço de divulgação literária?

A internet propicia uma forma eficaz de exposição da obra literária enquanto está sendo criada. Conhecemos muitas obras por meio dela, assim como muitos leitores nos conhecem (talvez você, sem a internet, jamais soubesse quem é Sônia Brandão).