segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

CLAIRE MINUET: POEMA



IX - Julgamento

Ah Deus, de que crime fui capaz?
Agora me resta o claustro atroz
Onde o amor é tato, olfato e voz,
Lá, eterna, ouvirei teu jamais!

Entreguei meus pulsos a ele, mas
Não me soube decifrar e a sós
Disse-me: “não existe mais o nós
Pois tudo foi erro, não a quero mais!”

E, decretada minha pena,
Nesta cela sem lume estou
À margem duma imagem plena?...

Do que fui, que serei? Do que sou
Há só o motivo de ter pena
Do resto... do resto que ficou...

domingo, 30 de janeiro de 2011

DALTO FIDENCIO: POEMA

(Turner)



ELEGIA

A tristeza está comigo, fidelíssima consorte
Não me deixa nunca só, não possuo esta sorte!
De poder um dia livre, finalmente estar sozinho
Não ter mais olhares tristes, a calçar o meu caminho!
O poeta agora livre, teceria uma elegia
Aqui jaz minha tristeza, sob a lápide tão fria!

Poderia então viver, sem flertar com ela, a Morte
E quiçá até sorrir, ter um rumo, ter um norte!
Descobrir que existe o amor, compreender o que é o carinho
Vislumbrar que existe mais que a escuridão onde definho!
Pois sou um Poeta das Trevas, e também da melancolia
Mas não choro doridas lágrimas, e sim choro... Poesia!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ENTREVISTA COM O POETA DEREK SOARES CASTRO






1 – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?

Sempre tive muita afeição co’as letras, quando na mocidade aos quinze anos, por influência até da música, comecei a minutar, versos brancos, co’o transpor do tempo aprimorei muito minha escrita, estudando a métrica, etc.

2 – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Sinto a esbordar toda a verve, em fortes sensações no âmago, quando versejo, transponho com todo furor o meu “eu lírico”, e empós concluído o soneto, some-se toda a sensação, qual um ledo vento que passa.

3 – O que é poesia para Derek Soares Castro?

A poesia é a diafaneidade do espírito, é a libertação dos sentimentos contidos n’alma, uma arte que transpõem o tempo, a vida e a morte, simplesmente a poesia é a minha vida.

4 – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais poetas você destacaria?

Eu vejo este panorama atual, perdido de toda a poesia que um dia existiu, não há mais toda a beleza e cuidado co’as palavras, mas, fico álacre em saber que apesar de poucos, existem grandes poetas atualmente que resgatam o verdadeiro lirismo, destaco aqui poucos poetas, são eles: Arão Filho, Edir Pina de Barros, Alysson Rosa, Rommel Werneck, etc.

5 – Como você vê a relação entre a tradição e os movimentos de vanguarda no âmbito da poesia?

Vejo como algo revoltante, tantos se dizendo “poetas” lá nos píncaros com tantos livros lançados, e em Academias, rebaixando totalmente o nível do que é a poesia verdadeira.

6 – Até que ponto a inovação requerida por muitos poetas que se dizem vanguardistas pode ser positiva ou negativa para o desenvolvimento da poesia?

A poesia é algo que já contém todos os seus rigores, todas as suas raízes, toda uma musicalidade, eu sou totalmente contra inovações, para que inovar algo que já está concreto e perfeito? Só existem pontos negativos entre poesia e inovação.

7 – Existe uma tradição perene na poesia?

Apesar de todo este modernismo, de toda essa fugaz libertação, e formas de expressão, creio eu que sim, o que a poesia foi nunca deixará de ser, se nós poucos retrógrados resgatarmos sua verdadeira essência.

8 – Novos poetas como Edir Pina de Barros, Rommel Werneck, Amber, Dalto Fidencio e você, apresentam em seus poemas uma releitura autêntica, original da tradição poética, sobretudo do romantismo. Estaríamos diante de um novo movimento literário que poderia ser intitulado de neo-romantismo?

Creio eu em minha concepção, que sim, pois partilhamos todos do mesmo lirismo com fortes raízes na tradição.

9 – Essa nova tendência estética seria uma resposta a posturas vanguardistas de recusa da tradição adotadas por muitos poetas, mostrando assim, o esgotamento das vanguardas e a força perene da própria tradição em alimentar uma poesia contemporânea de qualidade e rigor?

Sim, pois estes vanguardistas buscam uma inovação, recusando-se a perene verdadeira tradição, e nós como poucos devemos defender nossa proposta, e alimentar toda a qualidade e o rigor, expostos pelos grandes poetas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

EDIR PINA DE BARROS: POEMA

(Max Ernst)




Sonhos meus!

Oh! Sonhos meus! Etéreos, inefáveis!
Por que minh’alma invadem, deletérios?
Quais frias brumas prenhes de mistérios,
Se tornam para mim inexploráveis...

Oh! Sonhos meus! Bisonhos, mas afáveis,
Por que me vêm de todos hemisférios?
Não sei andar, viver nos seus impérios,
Nas suas terras mornas, não aráveis...

Sonhos! Não os suporto mais comigo,
Pois não tangíveis são, tal qual a lua,
Se rompem como as bolhas lá da praia...

Quisera ser seu ninho e seu abrigo,
E ser também amiga e amante nua
Nos seus lençóis suaves de cambraia...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

DEREK SOARES CASTRO: POEMA

(Vernet)



Galerias Crepusculares

Sob o ocaso da tarde que s’esfuma,
Já no céu o mosaico das lembranças
Pincelado em melífluos tons, nuanças,
Fica a trazer-me a dor uma por uma;

Na imácula suave desta bruma,
Tão tênue tesoiro d’esperanças,
Qu’eu sinto a estremecer estas bonanças
Como o quebrar-se duma fria escuma...

Das etéreas pinturas, divinais...
Que contemplo a carpir em tantos ais
Nas galerias mortas de minh’alma...

Um dia, bosquejei todos os traços
Do teu rosto, dos teus olhos tão baços,
N’amplidão deste céu que tudo ensalma...

DEREK SOARES CASTRO: POEMA


(Caspar David Friedrich)



Exéquias d’Aurora

De rendas vestalinas, sendilhadas,
Em diáfanos véus auroreais
Caídos brandamente, sepulcrais,
Por sobre as alvas mãos frias, finadas...

Por melífluos matizes outonais,
No contraste co’as sedas, bem bordadas,
Na plenitude destas vãs caladas
Passa todo cortejo cheio d’ais...

No embalo desta marcha langorosa
A passarada flébil e chorosa
Cantava a mais nostálgica balada;

A abóbada celeste no infinito
Abriu-se no céu mais puro e bonito
Levando minha eterna, sempre amada...

AMBER: POEMA



TORMENTA

em treva... o céu, encerra o céu, esta tormenta
ventos funestos furtam o ar da calma brisa
por que o negrume qual teu olhar me paralisa?
por que esta chuva qual meu pranto em dor se ostenta?

eu temo os raios... temo o claro risco em fogo
desabar do firmamento em pestanejo
são os deuses acusando-me do pejo
de blasfemar o amor perdido em tom jocoso!

hoje não durmo: saio a noite em meio a chuva
ainda que eu perca-me nas águas truculentas
a enterrar em carne as gotas quais agulhas

e depois da tempestade, és tu, loucura!
ao fim das águas, já deixaste a alma sedenta
refém do inferno pluvial que me atormenta!

AMBER: POEMA



NEGRA REVOADA

Escrevo um verso e vejo espíritos inquietos
tingindo abóbadas do céu crepuscular
a imagem tua fende o peito a ofegar
és um presságio de futuros tão funestos

Não quero o sono, temerei fechar os olhos?
e entrever minha fria e negra sepultura
Ah! não chega a alvorada, e esta tortura
afugenta a curta paz dos calmos sonhos.

Oculta o trágico pungir da noite amarga
ao fundo do horizonte, sinto o nada...
vem as ondas e rezo ao firmamento!

Quem dirás que eles me levem - vou morrendo
do desconhecido o ósculo aquiescendo
sob a algia desta negra revoada!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

AMBER: POEMA




TUAS ASAS ME ENVOLVERAM

Maculaste a inviolável das verdades
Quando o beijo a ti servira qual um abrigo
Fui teu ego, fui teu chão, melhor amigo
Da Terra, o único ser da humanidade!

Onde andas? Já não sei... Não mais te sinto
Agora é fúnebre o poente que almejei
A dor do teu fantasma fere o siso
Pesando em mim os dias que enterrei...

Sorveste do meu coração tão cálido
O belo - o sangue! O riso e a luz da aura
Faminto ósculo, tirou da boca o lábio!

Despertou, o anjo liberto! Abriu as asas:
De sangue e rosas cobriu meu epitáfio
Deixou a morte e levou minha pobre alma!

domingo, 23 de janeiro de 2011

FAGUNDES VARELA: POEMA



O ARREPENDIMENTO


Tens, razão, já, soberana,
Viste-me curvo a teus pés!
Alma que do mal se ufana,
Tarde conheço quem és!
Mas a imagem que eu buscava,
Por quem meu ser suspirava,
Nem pressentisse sequer,
Quando uma fada invocando
Me vergava soluçando,
Prestava culto à mulher.

Tens razão, por grata estrela
Tomei teu brilho falaz,
Sinistra luz da procela,
Círio das horas fatais!
Segui-te através de enganos,
Cheio de sonhos insanos,
Cheio de amor e de afã!
Sombra de arcanjo caído!
Busto inda quente, incendido
Pelos beijos de Satã!

Na fronte cor de açucena
Tinhas brilho sedutor,
Mas eras qual essa flor,
Cujo perfume envenena!
Tinhas nos olhos brilhantes
Os reflexos cambiantes
De uma aurora de verão,
Mas como a charneca escura
Só podridão, lama impura,
Guardavas no coração!

Na negra esteira dos vícios
Que os decaídos formaram,
Teus funestos artifícios
Iludido me arrojaram!
Amei-te, amar foi perder-me!
Foi beijar da terra o verme
Crendo-o Deus da vastidão...
Em vez do sol que buscava,
Louco afoguei-me na lava
De medonho, atroz vulcão!

Da vida estraguei por ti
Das quadras a mais risonha;
Mas hoje sinto peçonha
Que nos teus lábios bebi!
Em meio de minha idade
Tenho n’alma a soledade,
Na fronte o gelo eternal;
Sinto a morte nas artérias,
E ao medir minhas misérias
Me orgulho de ser mortal!

sábado, 22 de janeiro de 2011

RONAN FERNANDES: POEMA

(Paul Delvaux)




Ideias Íntimas

All is lost but hope

Rowan London


Meu espírito? Sim! Sonha contigo.
Sonha! Todos os dias sonha aflito.
Sonha em subir aos céus, tua morada...
E amar-te, adorar-te, minha amada!

Meu espírito? Não vive sem ti.
Como do seu espírito eu saí.
Um sopro torpe. Mas tu, sonho meu
Nasceu de um sopro cálido de Deus

Meu espírito? Sim! Sonha em amar
E além de tudo e todos voar.
Onde os olhos tão negros do pecado,
Contra nós não dirão engano válido

E minha alma? Viver contigo sonha!
Mas também em morrer contigo sonha!
Sonha no quão belo seria, cálida:
Dormir contigo, tão fria, tão pálida!

Pensa no quão lindo seria a morte,
Contigo do meu lado. Oh! Que sorte!
Sair daqui, e entrar no seu esplendor...
Sua casa, seu céu, e do Senhor!

Sonha em amar-te além do grande túmulo
Eternamente, como o amor do século
E beijar-te no céu, beijar-te em terra
Abençoados por Deus, que nunca erra

Meu corpo? Quer sonhar! mas que não pode
Acaso sai da carne tão bela ode?
Meu corpo apenas quer - e nada mais -
Conhecer seus refúgios virginais.

Meu corpo apenas quer a doce êxtase,
Beijar teus níveos seios, doce fase!
Amar-te em leito e em túmulos tão brancos
Confundir-te com pálidos arcanjos

Confundir teus lábios doce e róseos
Tua virgindade alva, lindos traços
Teus níveos seios nus, doce formosa
Ao puro e doce mel das lindas rosas

Mas meu corpo sujeita se ao espírito
À minha alma, me deixa mais aflito
Meu ser? quer-te somente amor vivaz
Sonha em beijar-te e descansar em paz.



XXIV / XI / MMX

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SOARES DE PASSOS: POEMA

(Magritte)




DESEJO

Oh! quem nos teus braços pudera ditoso
No mundo viver,
Do mundo esquecido no lânguido gozo
D'infindo prazer.

Sentir os teus olhos serenos, em calma,
Falando d'além,
D'além! duma vida que sonha minha alma,
Que a terra não tem.

Eu dera este mundo, com tudo o que encerra
Por tal galardão:
Tesouros, e glórias, os tronos da terra,
Que valem, que são?

A sede que eu tenho não morre apagada
Com tal aridez:
Pudesse eu ganhá-los, e iria seu nada
Depor a teus pés.

E só desejando mais doce vitória,
Dizer-te: eis aqui
Meu ceptro e ciência, tesouros e glória:
Ganhei-os por ti.

A vida, essa mesma daria contente,
Sem pena, sem dor,
Se um dia embalasses, um dia somente,
Meu sonho d'amor.

Isenta do laço que ao mundo nos prende,
A vida que vale?
A vida é só vida se o amor nela acende
Seu doce fanal.

Aos mundos que eu sonho pudesse eu contigo,
Voando, subir;
Depois que importava? depois no jazigo
Sorrira ao cair.

ROMMEL WERNECK: POEMA



CÍRCULO

Imagens a dançar na quente tarde...
Espinhos de mil rosas dissolvidas,
Que são marcas de tantas outras vidas
Atormentando meu rosto covarde...

Antigos sonhos... tudo que é belo arde,
Cintila pelas sombras divididas
E as imagens agora tão perdidas
Buscam um novo rumo, novo alarde!

Ó vertigens lacrimais, circulai...
Ó âmagos azuis dos sonhos meus,
Ó dizei, devaneios, ó chorai!...

As imagens se perdem nos sons seus
E trilham ébrias pelo meu grã ai!
Tudo diz: Amém! Tudo diz: Adeus!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

EPIGRAMA

(Magritte)



EPIGRAMA (3)

Semeiam as vagas a inconstância e o porvir.
Pranteiam as flores o efêmero jardim.
Porém, com vagos e remotos sonhos,
celebram, os insanos, a glória de serem humanos!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

FLORBELA ESPANCA: POEMA



A MINHA DOR

A você

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

ROMMEL WERNECK: POEMA

(Goya)



PROFECIA

Um dia, tu estarás em pleno choro,
Sangrando em negras lágrimas a terra.
As almas do passado em grave coro,
Declararão a ti a mais suprema guerra.

O castelo dourado e azul morreu,
E a vida continua em triste pranto.
Eis aquilo que nunca se esqueceu,
E que conduz o azedo e amargo canto:

Um dia, tu estarás em forte grito
Que tingirá de luto o sonho pulcro
E assim se cumprirá a tal profecia.

O futuro será pra sempre aflito,
Nós que estamos em lúgubre agonia
Seremos então um único sepulcro.

domingo, 16 de janeiro de 2011

POEMA: SEGUNDA PARTE

(Pieter Bruegel)





AURORA JACENTE


II


Depois disso, Deus provou Abraão, e disse-lhe: “Abraão!”. “Eis-me aqui” – respondeu ele. Deus disse: “Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar”.

Gn 22, 1-2


Cicatrizes porosas, alarido obtuso, insigne. Na escadaria da catedral pedintes ingênitos sob a sórdida complacência de Moriá. Incandescente mar dos apátridas, vestígios incólumes, breviário das civilizações. É primavera e não há flores. Oh! Moloc! Vossa é a glória das desolações!


Segunda Estação


Porque vivemos nossas misérias como dádivas da ira.


“em tuas mãos,
os combalidos,
o desamparo das horas.
Vossa expectativa,
cálido leito da aurora.
As dilacerações da verdade,
o ofício de amar.
– Olhai e vede os lírios,
eles também apodrecem – ,
ao cruzarmos a ponte,
saberíamos do limiar de todo ensejo?
em tuas mãos,
os combalidos,
o desamparo das horas”


Assembléia dos desvalidos


Meditação sobre ruínas:

As dissidências do tempo.
Intermitente ânsia de sonhos.
Outrora luz, hoje esquecimento.




sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

POEMA: PRIMEIRA PARTE

(Bosch)




AURORA JACENTE


Tênue luz, despojos remanescentes do século. Faces obsequiosas, ressequidas pela ânsia de invioláveis promessas. Ossos nus, álgidos passos, insólitos gestos sob um céu sem desígnios. Indelével cortejo de sentimentos proscritos. Lázaro, vossa remissão conclama o litígio dos exilados.


Primeira Estação


Porque no amor as glórias são vãs e toda sutileza um pormenor de injúrias consentidas.


“não soube dizer
que devia despedir-se.
Colocou sobre a mesa
a correspondência.
Não removeu o vaso,
como de costume.
Não fechou a porta ao sair.
Das convenções ignoradas,
a solitude de uma ausência
não esclarecida.
O derradeiro, o inconcluso,
isenta-nos do indulto
do esquecimento?
Certezas rudimentares.
A noite clareia os olhos do cego.
Se amas a verdade, resigna-te,
aceites o próximo e tua solidão”



Assembléia dos desvalidos


Meditação sobre ruínas:

Em seu convívio com o extremo
fruto algum será colhido.
Reclamas pela felicidade
em um mundo aliciado pelo passado.



quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DYLAN THOMAS: POEMA




EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA


Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.


Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


(tradução: Ivan Junqueira)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MÁXIMA




"Expulse-se um cachorro da poltrona do rei, ele subirá ao púlpito do pregador; olha o mundo com indiferença, sem inquietação, sem pudor; tal como o tolo, o cachorro não tem de que se envergonhar".
La Bruyere

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

NYDIA BONETTI: POEMA

(Van Gogh)



outro dia

a tarde dourada no campo de centeio
não diz das chuvas que virão
diz do sol
embora quase noite
diz do pão
embora as mãos vazias
diz de nós
na janela de outro dia
que já passou



segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

AUTA DE SOUZA: POEMA



AO PÉ DO TÚMULO

Aos meus

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós... Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais...

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

domingo, 9 de janeiro de 2011

FRANCISCA CLOTILDE: POEMA



LÁGRIMAS

Chora a noite sentida a lágrima tremente
Do orvalho que aviventa a flor abandonada.
Da estrela cai na terra a luz meiga e dourada,
O pranto do infinito em gota aurifulgente.

E o velho mar que anseia, o velho mar fremente
Com zelo vai guardar na concha nacarada
As bagas que arrancou-lhe a dor amargurada,
Irisando-as da luz na pérola nitente!

Tudo adoece enfim!... Tudo chora e se queixa,
Da brisa o ciciar tem, às vezes, da endeixa
A mágoa dolorida e o tristonho dulçor.

O regato suspira... Há soluços nas águas,
A palmeira estremece e um concerto de máguas
A saudade mistura aos idílios do amor!

sábado, 8 de janeiro de 2011

ILONA BASTOS: POEMA



A CHUVA


Este som, leve e metálico,
Da chuva que bate nos vidros,
Acaba por ser gentil…
Mesmo quando o seu toque se acelera,
Ou se retarda em singulares gotas,
Ou quando o vento sopra, em sonantes rajadas,
Ou, sonolento, se esparsa, quase se apaga,
Na inércia cinza da paisagem.

É fresca, esta chuva!
Como a ouço, talvez brejeira,
Não indelicada…
Deixou exultantes as flores vermelhas
Daquela exótica planta do jardim fronteiro,
De que não conheço o nome nem o apelido.
Garota, foge ao ritmo agora, insistente,
Esparrinha o tecto da marquise, desafiante…

As nuvens escuras avançam com rapidez!

Sente-se a chuva protegida, e precipita-se
Com violência implícita,
Tão distante da delicadeza inicial.
Rufia, já não soa a música,
Como anunciara à chegada,
Agreste, não poupa os tons, as linhas,
Os traços, as cores, os vultos
Desta cidade, que se afunda no temporal…

GALERIA JAZZ: DIVAS

(Jane Monheit)

(Madeleine Peyroux)




(Melody Gardot)




(Diana Krall)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

AUTA DE SOUZA: POEMA

(Munch)



NUNCA MAIS


... II n’est plus dans mon coeur
Une fibre que n’ait résonné sa Douleur.

LAMARTINE - Harmonics.


Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?

Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?

Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.

Meu casto sonho! Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.

Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!

AUTA DE SOUZA: POEMA

(Munch)



NOITE CRUEL

A meu irmão Henrique


Morrer... morrer... morrer... Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos...

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, - pobre vaga que chora! -
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar - ó supremo desgosto! -
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz...

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

Alto da Saudade.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ROMMEL WERNECK: POEMA

(Paul Delvaux)




PÉROLA BELÍSSIMA

“Ave, formosissima!”
Carl Orff - Carmina Burana


Brota da concha, pérola belíssima...
No mar do caos, brilha, vive e rege
Linda, a deusa que tudo desprotege,
Revelando ar de pérola vivíssima!

Ó gris paz sacrossanta, pura herege,
Que traindo a razão, é diviníssima!
Dragão de cor estranha e sublimíssima!
Delfim que purifica, que protege!

Queimando tudo surge a negra espuma...
Um mar misterioso de venenos...
Pérola tão belíssima, vil bruma!

Domina a prostituta santa Vênus,
Na terra, como livre e leve pluma,
Embriagando os seres de céus plenos!

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

EDIR PINA DE BARROS: POEMA

(klimt)



Se tu me amas...

Se tu me amas entra bem silente,
Sem despertar-me deste sono leve...
Na minha pele tua marca inscreve,
Qual tatuagem, com teu beijo ardente...
*
Se tu me amas neste instante breve,
Desliza sobre mim tal qual serpente,
Sem preocupar em ser cordial... Decente...
Oh! Sê aquele que se dar se atreve!
*
Se me amas mesmo sem pudor, tolice,
Que vás embora junto com a lua,
E deixa-me sonhar um novo dia...
*
E deixa que de longe eu te cobice,
E queira-te de novo, ébria e nua...
Mantendo em mim, do amor, doce utopia!

GALERIA JAZZ

(Wynton Marsalis)

JULIO RODRIGUES CORREIA: POEMA

(Luiza Maciel Nogueira)




POSSIVEL POEMA EM FIM DE TARDE

O alpendre me conduz ao silêncio.
Na tarde em véspera de ocaso
um pássaro tenor sublima
a ópera do sol.
Nos jardins flores (em seus
discursos de pétalas)
mostram a rota da primavera
enquanto os ventos varrem
o pó das ruas e coagulam
os rastros da memória.

ÁLVARES DE AZEVEDO: POEMA

(Munch)




POR MIM?

Teus negros olhos uma vez fitando
Senti que luz mais branda os acendia,
Pálida de langor, eu vi, te olhando,
Mulher do meu amor, meu serafim,
Esse amor que em teus olhos refletia...
Talvez! – era por mim?

Pendeste, suspirando, a face pura,
Morreu nos lábios teus um ai perdido...
Tão ébrio de paixão e de ventura!
Mulher de meu amor, meu serafim,
Por quem era o suspiro amortecido?
Suspiravas por mim?

Mas...eu sei!...ai de mim? Eu vi na dança
Um olhar que em teus olhos se fitava...
Ouvi outro suspiro... d’ esperança!
Mulher do meu amor, meu serafim,
Teu olhar, teu suspiro que matava...
Oh! não eram por mim.

GALERIA JAZZ

(Roy Hargrove)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

JUNQUEIRA FREIRE: POEMA

(Klimt)




TAMBÉM ELA

Ela também ouviu o som das vagas
Sobre os rochedos – e talvez dissesse:
- O som das vagas que embelece os outros,
Não me embelece.

Ela também sentiu a fresca aragem
Sobre os cabelos – e talvez dissesse:
- A fresca aragem que adormece os outros,
Não me adormece.

Ela também deitou-se no sereno
Sobre estas relvas – e talvez dissesse:
- Este sereno que empalece os outros,
Não me empalece.

Ela também olhou estas montanhas
Sobre as campinas – e talvez dissesse:
- A vista delas que embevece os outros,
Não me embevece.

Ela também andou ao sol ardente
Sobre as planícies – e talvez dissesse:
- O sol ardente que enrubesce os outros,
Não me enrubesce.

Ela também provou dos cardos frescos
Sobre as areias – e talvez dissesse:
- O gosto deles que arrefece os outros,
Não me arrefece.

Ela também sentou-se neste muro
Sobre estas pedras – e talvez dissesse:
- Este quadro gentil que encanta os outros,
Já me aborrece.

Este quadro gentil agrada aos outros,
E belo todo – talvez ela dissesse:
Porém tão longe meu amor! – oh! tudo,
Tudo falece!

Sim: ela o disse merencória e amante:
Ímpios, não duvideis que ela o dissesse:
- Tão longe dele assim! sem vida tudo,
Tudo parece!


CRUZ E SOUSA: POEMA

(Magritte)




SENTIMENTOS CARNAIS

Sentimentos carnais, esses que agitam
Todo o teu ser e o tornam convulsivo...
Sentimentos indômitos que gritam
Na febre intensa de um desejo altivo.

Ânsias mortais, angústias que palpitam,
Vãs dilacerações de um sonho esquivo,
Perdido, errante, pelos céus, que fitam
Do alto, nas almas, o tormento vivo.

Vãs dilacerações de um Sonho estranho,
Errante, como ovelhas de um rebanho,
Na noite de hóstias de astros constelada...

Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,
Sentimentos carnais, vãos sentimentos
De chama pelos tempos apagada...