sábado, 12 de novembro de 2011

MURILO MENDES: POEMAS DE A POESIA EM PÂNICO

(Ismael Nery)





A DANAÇÃO

Há fortes iluminações sem permanência.
A parte da Graça é tão pequena
Que me vejo esmagado pelo monumento do mundo.

Quem me ouvirá? Quem me verá? Quem me há de tocar?
Chorai sobre mim, sobre vós e sobre vossos filhos.

A fulguração que me cerca vem do demônio.
Maldito das leis inocentes do mundo
Não reconheço a paternidade divina.
Eu profanei a hóstia e manchei o corpo da Igreja:
Os anjos me transportam do outro mundo para este.


O IMPENINENTE

Quem me consolará no mundo vão?
Homens, tenho convosco a relação da forma.
Nuvem solida, rosa virginal, água branca
E tu, antiga sinfonia aérea,
Pertenceis ao anjo, não a mim.
Eu digo ao pecado: Tu és meu pai.
Eu digo à podridão: Tu és minha irmã.
A presença real do demônio
É meu pão de vida cotidiano:
Minha alma comprime a aleluia gloriosa.

Hóstias puras,
Inutilmente vos ergueis sobre mim.


A DESTRUIÇÃO

Morrerei abominando o mal que cometi
E sem ânimo para fazer o bem.
Amo tanto o culpado como o inocente.
Ó Madalena, tu que dominaste a força da carne,
Estás mais perto de nós do que a Virgem Maria,
Isenta, desde a eternidade, da culpa original.
Meus irmãos, somos mais unidos pelo pecado do que pela Graça:
Pertencemos à numerosa comunidade do desespero
Que existirá até a consumação do mundo.


OS TRÊS CÍRCULOS

Não encontro minha paz na Igreja.
Tu, monge, não podes me dizer o que o Cristo me dirá:
Recolheste d’Ele a menor parte.
E o Seu corpo e o Seu sangue
Não fazem circular a vida no meu corpo e no meu sangue.
Tu, mulher, criatura limitada como eu,
Recebes a melhor parte do meu culto.
Eu te amo pela tua elegância, pela tua mentira, pela tua vida teatral.
E nem ao menos posso repousar a cabeça na pedra do teu corpo.
Só tu, demônio, nunca me faltas nem um instante.



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