domingo, 31 de outubro de 2010

sábado, 30 de outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

MILAN KUNDERA: A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER II




Aqueles que pensam que os regimes comunistas da Europa Central são obra exclusiva de criminosos deixam na sombra uma verdade fundamental: os regimes criminosos não foram feitos por criminosos mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o único caminho para o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia, e que, portanto, os entusiastas eram assassinos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

MILAN KUNDERA: A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER




Nos países comunistas, a inspeção e o controle dos cidadãos são atividades sociais essenciais e permanentes. Para que um pintor consiga permissão para expor, para que um simples cidadão consiga um visto para passar férias à beira-mar, para que um jogador de futebol seja aceito no time nacional, é preciso em primeiro lugar que se reúnam todas as espécies de relatórios e de certificados que lhes digam respeito (do porteiro, dos colegas de trabalho, da polícia, da célula do partido, do comitê da empresa em que trabalha) e esses atestados são, em seguida, completados, revistos, avaliados, recapitulados por funcionários especialmente destinados a essa tarefa. Aquilo que é mencionado nesses atestados não tem nada a ver com a aptidão do cidadão para pintar, jogar futebol, ou com seu estado de saúde que pudesse estar justificando uma temporada à beira-mar. Só importa uma coisa, aquilo que se chama “o perfil político do cidadão” (aquilo que o cidadão diz, pensa, como ele se comporta, se participa ou não dos desfiles do 1º de maio). Tendo em vista que tudo (a vida cotidiana, a promoção e as férias) depende da maneira como a pessoa é julgada, todo mundo é obrigado (para jogar futebol no time oficial, para fazer uma exposição ou passar férias à beira-mar) a se comportar de maneira a ser bem julgado.

sábado, 23 de outubro de 2010

BERNARDO LINHARES: EPIGRAMAS II





Arroz Tsé-Tung

Ao tirano chinês, serial killer de oitenta milhões de pessoas, sobretudo poetas. Por aqui ele é adorado, sobretudo por poetas...


Como um dedinho sem verso e prosa,
perfurado pelos micróbios,
um anódino grão de arroz,
pena triste entre dois ovos.


A ANGÚSTIA DA ANGÚSTIA

Na cela de um velho forte
cercou-se à esquerda.
Com sete chaves
trancou-se no cofre.
Engajada num mistério
engole a chave do cemitério.
O que esconde a escondida?
O gozo da morte ou o gozo da vida?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

BERNARDO LINHARES: EPIGRAMAS





BANDEIRA VERMELHA


Para as orelhas sem cera
vem com o efeito de um bafo.
Oriunda das entranhas,
assada, esta ária obscena,
sofrendo de pau quebrado,
assola no seu passado.
Ópera bufa molhada,
tatuando a própria nádega,
sai tatu do seu buraco.
Ah! Batuta sem conserto
encurralada na merda
que só do seu verso abunda
nesse papel higiênico
o cacófato é sua bunda.


TUBARÃO

Sempre a comer, crânio insensato,
qual um tirano em seu castelo,
a indigência, monstro, é o seu prato
e seu talher: foice e martelo!

A HERANÇA DO CHE


Mosca, mosquito,
pulga, percevejo,
rato, pernilongo,
sovaco de morcego.

Carrapato, chato,
lacraia, teia,
picada de formiga,
cupim na cumeeira.

Lagarta,
lagartixa sem rabo,
rabo de gata.

Roída por traças
tem poesia,
poesia barata.

QUADRA PÁLIDA

Ludibriando o tom do negro
que aprecia a cor do cobre,
o vermelho, sem vergonha,
é de um branco pouco nobre.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM A POETA EDIR PINA DE BARROS

1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?


A poesia sempre esteve presente em minha vida desde a mais tenra infância. Tenho pai poeta e sonetista – Antonio Lycério Pompeo de Barros - e cresci ouvindo suas poesias, que ele gosta de declamar, às vezes nas horas menos esperadas. E declamava também sonetos clássicos que retinha na memória. O mesmo fazia seu pai, que morreu quando ele tinha pouco mais de dez anos: declamava poesias para ele. Cresci - como os meus irmãos - ouvindo e lendo poesias, sobretudo os clássicos. Aos nove anos comecei a escrever também. Sempre escrevi, desde então. Em um momento de extrema decepção queimei toda a minha produção desde a infância. Continuei escrevendo apenas textos acadêmicos na área de Antropologia. Somente no final de 2008 – quando entrei para o Recanto das Letras - retomei a escrita da poesia. Cada texto escrito foi postado, como ainda hoje o faço, na net. Assim eu os defendo de mim mesma. Já organizei dois livros para publicação, um contendo sonetos meus e outro em co-autoria com meu pai. Breve serão publicados. Ah! Sim, comecei a escrever sonetos apenas em março de 2009, depois de mais de um ano dedicado ao seu estudo.


2) – Quais são suas influências literárias?


Difícil dizer! Que digam os outros! Cresci lendo e ouvindo os clássicos e os sonetos de meu pai. Creio que cada poeta é uma síntese única de todos os poetas que o precederam e que teve oportunidade de ler, conhecer... Cresci ouvindo e lendo Guilherme de Almeida, Olavo Bilac, Cruz e Souza, Castro Alves, J.J. de Araújo Jorge, Augusto dos Anjos, Machado de Assis, Gregório de Matos, Casemiro de Abreu, Pedro de Alcântara, Shakespeare, Dante, Camões... Mas ocorrem no mundo da poesia fenômenos interessantes. Várias pessoas já afirmaram, em seus comentários aos meus sonetos, que tenho algo de Florbela Espanca e isso me fez buscar conhecê-la recentemente. Jamais a havia lido antes. Creio que devamos ter algo em comum na forma de expressão dos sentimentos e recorrências nas experiências e eventos da vida, além de um olhar feminino sobre o mundo! Sou antropóloga, etnóloga e vivo cruzando fronteiras culturais. Sou culturalmente multireferenciada. Creio que isso também tem um peso sobre a minha escrita. Sou uma boa escutadora de mitos indígenas, por exemplo. Os mitos são fontes elementares de poesia. A força da história vivida, que aprendo com tantos “outros”, também tem seu peso na minha forma de ver e sentir o mundo. A violência e o jugo colonial dos povos que estudo me tornam dia a dia mais sensível. Vivo no fio da navalha.


3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?


Cada poeta tem o seu método de escrever... O meu é um exercício de libertação continuada de sentimentos, uma busca incessante de sentidos da vida num esmerado exercício do ser em meio a mais profunda solidão. O poema, em si, é apenas um precipitado desse processo. O texto poético me vem como uma cascata incontida de sentimentos em versos. Mesmo o soneto... Primeiro os escrevo, observando apenas as rimas. Somente depois de escritos os versos é que eu reviso a sonoridade, o ritmo. Isto eu faço declamando alto a poesia e batendo na mesa de trabalho os meus dedinhos, quando não os pés no chão, como se faz com a música. Creio que o fato de haver estudado harmonia e piano se faz presente nesse processo de criação. Sou extremamente sensitiva e vivo à flor da pele.

4) – O que é poesia para Edir de Pina Barros?


Poesia, para mim, é a essência do sentir humano, a expressão de sentimentos e emoções traduzida em versos, sonoridade e estrutura. Uma linguagem essencialmente metafórica que torna visível algo abstrato como as emoções, em realidades quase palpáveis. O lirismo que não é mais do que a expressão do "eu" que revela seu estado de espírito, que expõe seu universo interior sem pudor e sem limites. Poesia é sentir... Está em tudo, depende do olhar de cada um, da coragem de expor os mais íntimos sentimentos, produtos do “eu lírico” ou da experiência própria vivida. É o produto do espírito, da alma.


5) – Como você vê a relação entre a tradição e os movimentos de vanguarda no âmbito da poesia? Existe uma tradição perene na poesia?


Tradição e modernidade mantêm entre si relações sinérgicas, dialéticas. Seja por relações complementares ou de oposição. Afinal, o que é tradição? Creio que seja o núcleo duro de uma cultura – que tem o peso da historicidade, da densidade humana e histórica – que permanece no tempo em meio ao processo de continuadas mudanças. Não há como pensar tradição e modernidade de forma dualista, estanque, cada qual, em seu espaço/tempo. Poesias de vanguarda coexistem com a continuada produção de sonetos clássicos. Os movimentos de vanguarda, mesmo eles, se realizam afirmando a tradição – perene sim – da poesia. Porque poesia é poesia, independentemente da forma e da estrutura. Essa tradução lírica dos eventos do mundo e da vida é o seu cerne, sua essência perene.


6) – Você pertence ao grupo Poesia Retrô. Fale sobre sua proposta poética e sua perspectiva dentro da poesia contemporânea.


Alimentar a poesia no mundo! Esta é a minha única proposta, além da denúncia social, que por vezes faço em algum poema meu. Voltei a escrever poesia depois de me afirmar no mundo acadêmico. Tenho livros publicados, parte de livros – alguns organizados por mim - artigos em revistas nacionais e internacionais. O meu livro "Filhos do Sol" foi indicado ao Prêmio Jabuti 2004 (melhor livro de Ciências Humanas e melhor capa) pela Editora da Universidade de São Paulo, que o editou. Quando voltei a escrever poesia mudei apenas a forma de me expressar. Quero cantar ao mundo as experiências vividas, sentidas e traduzidas em forma de poesia. Não tenho pretensões literárias em relação à poesia. Apenas necessito escrevê-las! Mas já tenho um soneto premiado com “Chave de Ouro” (primeiro lugar), intitulado Grafismo Indígena.


Grafismo indígena

Essa tua pele mais parece tela
Toda pintada em tons da natureza...
Materializa mito que desvela,
Antiga história, tanta profundeza!

Em delicados traços, com cautela,
Nessas pinturas, feitas com firmeza...
Uma cultura ímpar se revela!
Em seu silêncio encerra grã beleza!

Morena tez, trazendo ao cotidiano,
Sagradas leis do cósmico, do humano,
toda memória, enfim, dos tempos idos!

Em cada traço, prenhe de sentidos!
Uma epopéia! Tempos bem vividos
Em território livre, soberano!


7) – Sua poesia, escrita em moldes clássicos, parece mesclar dimensões românticas com outras estéticas. Comente sobre esse aspecto de sua poesia.


Pouco racionalizo sobre mim, sobre meus escritos. Escrevo apenas! Como disse, a poesia me brota como uma fonte d’água que rompe a terra com força. Eu entro em alfa e perco-me na sua escrita. Escrevo. Sinto que convivem em mim vários “eus líricos” e já pensei em usar heterônimos para dar-lhes mais espaço de vida. O meu lado masculino também vive a me pedir espaço. Creio que eu seja marcadamente romântica, um romantismo quiçá mestiçado com o simbolismo, mais raramente com o com o parnasianismo... Depende de meu momento, do “eu lírico” que se manifesta em mim. Não tenho nenhum controle sobre isso! E nem penso nisso! Apenas dou passagem à poesia que brota em mim.

EDIR PINA DE BARROS: SONETOS

(Vernet)



ARREBOL


Nesse horizonte teu eu me declino,
Desmaio aos poucos qual o sol na tarde,
Vou me entregando sem fazer alarde,
Enquanto na igrejinha tange o sino...

Retiro meus mil véus, me descortino,
E perco meu pudor e meu resguarde,
Esqueço que sou frágil, sou covarde,
De amor me morro e perco todo o tino!

E nesse enlace nos tornamos um,
Sem ter receios, sem limite algum,
Enquanto canta ao longe o rouxinol

E nesse instante único, incomum,
Em ti me morro, tal qual morre o sol...
E nos tornamos juntos o arrebol!

CREPUSCULAR


Crepuscular amor que se declina,
Tal qual o sol morrendo no arrebol,
Já não chilreia mais, qual rouxinol,
E não tem mais o encanto, que fascina!

Tal como o dia que se vai com o sol,
Dando lugar à lua peregrina,
Com sua luz de prata purpurina,
Perdeu o seu lugar, que era de escol!

Tal como o sol se vai, agonizante,
Depois de belo dia radiante,
De tanto brilho, luz, pujança!

Perdeu a sua paz, a temperança,
E morre assim tão só, sem esperança,
Na sepulcral tristeza desse instante!

JARDINS SECRETOS

Cultivo dentro em mim jardins secretos
Regados com meus prantos vãos, doridos,
Que permanecem sempre bem floridos,
E de perfumes são também repletos...

Neles cultivo os meus amores idos,
Os sentimentos meus, dos mais diletos,
Os meus penares tolos, mas discretos,
Etéreos sonhos meus, jamais vividos...

Jardins secretos que florescem em mim,
Rebentos dessa dor que em mim se espalma...
Aos meus amores idos, meus legados!

Orquídeas, cravos, rosas cor carmim,
Que viçam sobre húmus de minh’alma,
Nos limos de meus prantos represados...

MORREM OS SONHOS


Morrem os sonhos, todas as quimeras,
Depois de agonizar com mil esperas,
Quais rosas pelo vento desfolhadas,
Nas mais eternas, frias madrugadas!

Morrem os sonhos como morrem as flores,
Perdendo seus encantos, seus olores,
Iluminados tons dos mais singelos...
Pois são de areia todos seus castelos!

Os sonhos morrem quais as borboletas
Que se atirando nos faróis da vida,
Desfazem-se na luz, em mil pedaços!

Morrem os sonhos se não há poetas,
Que os recolhendo, dão-lhes luz, guarida,
E façam versos com seus estilhaços!

QUANTA IRONIA!


Vês? Sou agora um pássaro que voa!
De teu sarcasmo torpe estou liberta,
Não tenho mais aquela vida incerta,
Tua perfídia já não me magoa!

Vês? De ti a minha vida está deserta,
E agora vivo bem, sorrindo à toa,
E dentro em mim teu nome não ecoa,
A tua voz mais nada em mim desperta!

Mas hoje vens aqui! Quanta ironia!
E choras teus sofreres e agonia...
E te humilhas! Dizes que me amas!

Não vês que nada sinto com teus dramas?
Que cinza não restou das velhas chamas?
Não tens pudor nenhum, nem galhardia!

COISAS DO CORAÇÃO


- “Coisas do coração” – Assim me dizes...
Assim traduzes minhas mágoas, dores
Que deixam n’alma tantas cicatrizes,
Levando desta vida seus dulçores...

- “Coisas do coração, dos teus verdores”...
E assim disfarças todos teus deslizes,
Mas nossos dias já não são felizes
E vão morrendo em mim os meus fulgores.

Tu nem percebes que me vou aos poucos,
Que agoniza dentro em mim o amor,
O mesmo amor que já foi teu um dia...

- “Coisas do coração! Ciúmes loucos!”
Se ouvisses meus queixumes, meu clamor,
Até o fim da vida amar-te-ia...

sábado, 16 de outubro de 2010

O HAICAI: POR CLOVES MARQUES

(Cloves Marques)



HAICAI, A ARTE DE CONVERSAR COM A NATUREZA


Cloves Marques(*)


Conversar com a Natureza, por estas bandas do Nordeste brasileiro, é um perigo. As respostas num diálogo com um mandacaru podem ser espinhos, embora esconda água em seu interior. O leito anêmico de um riacho seco, como na reflexão de um esquecido sertanejo, faz-nos descobrir que "A chuva é o sangue da terra!". Discutir com o Sol porque nos espreita na sombra do umbuzeiro é irritante e pode nos matar esturricado. Quer uma pá de lama nos seus olhos citadinos, encare uma prosa de observação com os nossos manguezais. Mesmo assim, a gente insiste numa conversa na busca de entendimento e integração. De resto, como conviver se não houver comunhão? Como entender, sem a percepção de que, em grande parte do Nordeste, só contamos com duas estações, jocosamente denominadas De Sol ou De Chuva?

Sutil baraúna,
no cerne, guarida ao aço,
galhos à graúna.

A água cansada
se espreguiça pela terra.
Vida inventada.

Nas negras raízes,
perambulam mistérios.
Manguezal antigo.

A poesia é uma arte que tem ajudado proficuamente nesse afazer. E muito bem se presta para tal, porque é uma “lucidez enternecida”, no dizer de Armindo Trevisan, que completa: “Quem se dispõe a ouvir poesia tem uma certa comunhão com a natureza e com os outros homens”. Nesse aspecto, estou convencido de que haicai é vida. Reflete um estado de existência na explosão de um instante. Diz daquilo que une o poeta ao fato presente. As lembranças fluem, as projeções se fazem, mas, o fato desencadeador do poema do haicai é do momento. Não se trata de algo explicável, mas da explicitação da sensibilidade, da síntese – lucidez –, por vezes, decorrente do sentimento de presença - enternecimento. De resto, somos assim, pensamos com a cabeça e com o coração. E, nesse contexto, a poesia é alimento, na medida que faz entendimento, que gera retorno.

Uma cuia d’água
à sombra do umbuzeiro,
o sol tudo espreita.

O cheiro de terra
molhada refaz o tempo,
que a chuva apagou.

A nuvem se ocupa
em construir animais.
A chuva cavalga.

Pela brevidade – ou quase urgência de dizer, para não perder a explosão do que nos assalta naquele átimo de tempo – lança-se mão do haicai, poema que alcançou a sua plenitude como filosofia e arte através do poeta japonês do século XVII, Matsuo Bashô.


Após a trovoada
passeio do sol sobre a terra.
Tempero divino.

Desmancha na brisa
o cheiro doido da manga.
Fome não alisa.

Olhares-lamentos.
Ah! A boca da caatinga
come os pensamentos.

Esse terceto poético, o haicai, longe de ser uma prática literária ou exposição de um gênero ou forma de poesia, é a exteriorização de uma filosofia de vida, de quem nasceu e convive com as peculiaridades de uma parte deste país continental. Se uns desfrutam de neve, frio invernal, caídas folhas outonais ou renovadas flores primaveris, temos muito sol e, por vezes, imploramos pela celebração da chuva. Guardadas as referências próprias, além de características físicas específicas, temos a personalidade e os hábitos de um povo curtido por um clima tropical.

A boca da noite
usa raspa de juá:
sereno perfumado.

Na rua deserta,
a chuva encharca o casal.
Beijo molhado.

O sol passeando
sobre a pele do riacho
que se ri e foge.

No livro “365 Haicais de Sol e Sol e Chuva”, dentro do simbolismo de um ano de experimentação vivencial – racional e afetiva – com uma região, sua natureza e seus seres racionais e irracionais, exponho instantes experimentados nas minhas andanças, principalmente pelo sertão nordestino. A maturidade dá paciência para enxergarmos a Natureza que nos cerca. A complexidade do todo nos leva à análise. O haicai tenta a simplicidade da parte, na expressão da síntese. E assim, se dá essa espécie de arte de conversar com a Natureza.



(*)Cloves Marques - Escritor, poeta, fotógrafo, natural de Delmiro Gouveia/AL. Reside, há mais de 40 anos, no Recife/PE. Publicou, entre outros, Pra não Morrer de Amor (poema), É Eterno, Mas é Preciso (poema), Crônicas do Encontro (crônicas), Umareru – Instantâneos de Natal (haicai), Haicai ao Recife (haicai), Máscara em Haicai (ensaio, haibum e haicai), 365 Haicais de Sol e Chuva (haicai – premiado, em 2005, com Menção Honrosa, pela Academia Pernambucana de Letras e Conselho Municipal de Cultura do Recife); Tankas de Amor Amado (tancas - premiado com Menção Honrosa, em 2006, pelo Conselho Municipal de Cultura do Recife); NOTURNO, Tankas da Madrugada (poemas tankas). Participou de diversas exposições fotográficas e de antologias. É membro da UBE/PE e sócio efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste, da Academia Recifense de Letras e Academia de Artes e Letras de Pernambuco; e do Grêmio Haicai Arrecifes..

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

EDIR PINA DE BARROS: POESIA



POESIA

Oh! Tu que vens de longe, pés cansados,
E que enormes mágoas trazes junto,
Oh! Entra! Senta! Cala! Eu não pergunto,
Por estes olhos teus, tristes, molhados!

Oh! Alma andeja! Os passos teus trilhados,
Na escura noite triste e tão sem fim,
Assim chegaram firmes, sós, a mim.
Oh! Tu que vens de longe, pés cansados...

Oh!Entra! Senta! Fica a sós comigo!
Não Fala! Não pergunto nada agora...
Fiquemos juntas nesta noite fria!

E deita calma no meu colo amigo!
Esquece tudo que ficou lá fora...
Sou terna! Amiga! Chamam-me Poesia!

JUNQUEIRA FREIRE: POEMA




TRISTEZA

Brilha o sol, brilham as nuvens,
Os montes de ouro se coram:
Porém minha alma se aperta,
Meus olhos dormentes choram:

Depois o céu se transforma,
De negros bulcões se touca;
Porém minha alma se expande,
E solta risada louca.

Depois o baile, – onde tudo
Um tope de gostos é;
E eu fico imóvel olhando,
Como um cadáver de pé.

Talvez no ar, que bebemos,
Às vezes um anjo voa,
Como a pancada de um sino
Que pelos ares ressoa.

Talvez nos assiste um anjo,
Que nos inspira a tristeza,
Como um anjo nos assiste
No relance da defesa.

De cólera num lampejo
Talvez a mão do Senhor
Arrojou minha alma ao barro
Só para o gozo da dor.

Porém um anjo propício
Co’ a sua vista louçã
Hoje prepara meu peito
Para as dores de amanhã.

Salve, ó anjo da tristeza,
Salve, ó imagem fatal!
Tu que me dizes que espere,
Que espere somente o mal.

GALERIA JAZZ

(Miles Davis)

PAULA CAJATY: POEMAS

(Ruaz)



QUINTESSÊNCIA

não sou nada
além
de boca e caos

DIAS NUBLADOS

em dias nublados feito esse
sou de colo e silêncio
nesses dias de fastio
mais fundo que o mar.
se puder, se quiser
me chama outro dia
num azul de brasa adúltera
em que eu possa te dar mais
mais de alegria
um deleite maior de mim

MANCHADA

a poesia ressurge
e dela não me afasto
me gasto no grafite
que ressoa e se arrasta
escandaloso preto
no silêncio pautado.

a poesia põe em mim
palavras que apenas risco.

não apago com borracha
o que me mancha na vida.

GALERIA JAZZ

(Chet Baker)

JUNQUEIRA FREIRE: FRAGMENTO



OS CLAUSTROS

Dorme, dorme, teu sono, ó vã cidade,
Dorme teu sono sensual e podre:
Que as estrelas e a lua, – de ofendidas,
O inútil brilho em negro véu trocaram.
Carranca enorme de chumbadas nuvens
A cor dos céus trocou na cor do abismo.
É noite; e noite de pavor é ela,
Sacra aos mistérios de esquecidos túmulos.
Sozinho o bardo aqui, – co’ a noite e as trevas.
Só ele aqui: – que o mundo é morto agora
Nos braços de letargo, – irmão do nada.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

POEMA PARA CRIANÇAS

(Luiza Maciel Nogueira)



NÃO

O Murilo sempre dizia não.

Não para o pente
Não para o Sente!
Não para o pudim
Não! Não sem fim...

O Murilo sempre dizia não.

Até que um dia
o Murilo descobriu
que não podia
o que não devia
e assim o Murilo
aprendeu o sim.

domingo, 10 de outubro de 2010

DRUMMOND: POEMA PARA CRIANÇAS

(Miró)

LAGOA

Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.

Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
e calma também.

Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu via a lagoa...

sábado, 9 de outubro de 2010

VINICIUS DE MORAES: POEMA PARA CRIANÇAS

(Miró)
A CASA


Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.

NO DIA DAS CRIANÇAS: LIVROS!

(Meu filho Murilo)

JOSÉ PAULO PAES: POEMA PARA CRIANÇAS



RARIDADE


A arara é uma ave rara
pois o homem não pára
de ir ao mato caçá-la
para a pôr na sala
em cima de um poleiro
onde ela fica o dia inteiro
fazendo escarcéu
porque já não pode
voar pelo céu.

E se o homem não pára
de caçar arara,
hoje uma ave rara,
ou a arara some
ou então muda seu nome
para arrara.

POEMA PARA CRIANÇAS


(Luiza Maciel Nogueira)



O MAR E SUAS ONDAS

O mar e suas ondas
conchas e mais conchas
arrastam para as areias.

O mar e suas ondas
envolto em sereias.

O mar e suas ondas
barcos e pescadores
embalam sob o céu de gaivotas

O mar e suas ondas
em ilhas ignotas.

POEMA PARA CRIANÇAS

(Luiza Maciel Nogueira)
O PARDAL

Sobre os prédios e fios elétricos,
árvores, casas e parques,
o pardal faz da cidade
seu habitat.

Passarinho cinza
sob o céu nublado
seu canto alegra os namorados.

Em praças e avenidas,
ruas cheias ou vazias,
tudo é morada
para sua ninhada.

Pardal.

Passarinho cinza
sob o céu urbano
seu acalanto nos faz mais humanos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010

ROBERTO PIVA: POEMA

(Paul Klee)
PIAZZA VII

O equilíbrio (embora meu)
é um pouco teu como esta luz ao nível da maré
que tu divides benfeitor fascinando meu olho de fogo
justo
é a vibração impossível de domar agora na potência do
vazio celeste
dizem que urras
desmaias & tens visões
rolando sobre tua boca dilatada as auroras feitas de
Presa

GALERIA JAZZ

(Ben Webster)