sexta-feira, 30 de julho de 2010

ROMMEL WERNECK: SONETOS GÓTICOS IV


ANTES, AGORA E SEMPRE

Quaresmeira de meu triste jardim,
Fincaste em mim inúmeras raízes,
Mas deixaste também mil cicatrizes,
Rugas que jamais, nunca terão fim.

Tronco magro que muito me fascina,
Tornando a vida suja e macilenta,
Somente a tua seiva me sustenta!
Somente tu és pulcra e grã-divina...

Antes, agora e sempre, só chorando...
Antes num quarto pálido e sem luz...
Agora acorrentado numa cruz...

Sempre e sempre, estará a boca sedenta
Gemendo unicamente um grito brando:
Somente a tua seiva me sustenta!


MEU PASSADO

''Abro a janela, quanta luz...'' Rinaldo Gissoni

Algumas vezes, ponho-me à janela
Serenamente, toca-me uma luz...
Algo azul, bom ardor que me seduz!
Verdadeira lembrança meiga e bela.

Vários seres desfilam para mim.
Passam leves, sutis e evanescentes...
Cravos lívidos, mortos, displicentes
Que brotam neste meu triste jardim...

Em ti, janela, quanto medo e horror!
Quanta distância, quanta dor, maldade...
Tu te tornaste a imagem do pavor!

Por isto, quando eu vejo algum ser mágico
Que deveria ser felicidade,
Vejo o como este meu jardim é trágico!


SÓ.

Só! Sem bonança dança, luz, ó luz!
Na solidão perpétua do viver...
Só! Com medo segredo, cruz, ó cruz!
No luto eterno deste alvorecer...

Só! Sem amor calor, alguém, ó alguém!
Na necrópole lúgubre e perdida...
Só! Com sombra que assombra, alguém, ó alguém!
Na floresta sangüenta desta vida...

Só! Chorando exalando negro sangue,
Sangue horrendo, infeliz, morto e ruim,
Morto e ruim querendo amor e dó,

Dó e caritas, amor, tudo tão só.
Só! Sem cor, sem ninguém, sem luz, sem fim!
Afundando-se neste rubro mangue...

ROMMEL WERNECK: SONETOS GÓTICOS III


Ó BELA MORTE

Ó bela morte, minha namorada,
Pra uns tristeza, já pr'outros desejo...
Teu puríssimo, lindo e único beijo,
Retira a dor de um'alma atormentada.

Dispa meu luto, sinta a imaculada
Pele minha e pra mim faz um cortejo!
E então, mata-me como tanto almejo,
Converta meu terrível corpo em nada!

Leva-me para o obscuro, para o Além!
Leva-me para longe deste mundo!
Leva-me para perto de meu Deus!

Beija e morda as carnes e braços meus!
Leva-me deste mar de sangue fundo!
E livra-me de todo o Mal, Amém!


ANJO MORTO

Só e perdido na mais negra necrópole,
Encostado na cruz de um vil sepulcro,
Revelando um sorriso puro e pulcro
No mais distante ponto da metrópole.

Anjo defunto, corpo cadavérico...
Carnes magras, sublime e santo rosto,
Em que o célere tempo deixou posto
Um grito morto, um canto forte e histérico.

Apetecido, surge ele tão vivo,
Pra eu cometer meu próximo delito.
Dragão que se aproxima tão lascivo,

E me deixa perdido em mais conflito,
E crava em mim seus dentes diabólicos,
E vê graça em meus olhos melancólicos!

ROMMEL WERNECK: SONETOS GÓTICOS II




DEMÔNIO ANGELICAL

Ah! Demônio sangrento atormentado!
Por ti, minha vil mente só suspira!
Meu corpo intensamente cai e transpira
Ah! Demônio sangrento atormentado!

Nos negros olhos: cor viva do tédio
As vestes lutuosas, pretas, góticas...
Curvas no corpo tão belas e eróticas...
Nos negros olhos: cor viva do tédio

Mas na boca, há lascívia e até pureza:
Tu me beijas com tanta força e ardor,
E tu me falas coisas sobre o amor...

Com as coisas do amor casto e sublime
Não há nada no mundo que assim rime...
Ah! Lindo anjo repleto de nobreza!


LAVA LASCIVA

Lava lasciva, lúgubre que lava
O fluxo desta vida tão flexível...
Ela, lépida, lânguida e inflexível
Lúbrica, lacrimal, lasciva lava!...

Lava lasciva límpida que leva
Tudo e todos, flui livre e libertina,
Desliza, escorre, desce e se releva!
Fluxuosa letal bela neblina...

Lava lasciva lívida e veloz,
Que transforma, converte este reduto
No céu mais flamejante e mais feroz!

Aos homens e mulheres impõe luto,
A tudo e todos, lança ardor interno...
Lava lasciva, fogo negro e eterno!

ROMMEL WERNECK: SONETOS GÓTICOS


ANJO PÁLIDO

Oh! Lindo anjo deitado sobre a neve,
Como teu corpo fraco e macilento,
E tua boca pura, santa e leve,
Excitam-me causando bom tormento!

Os tons frios da pele pura e pálida...
Os olhos: dois sublimes cemitérios...
A boca, a boca: Arcádia rubra e cálida!
Quero-vos, lábios ígneos, maus e etéreos!

Ó nimbus, ó dragão, ó Nosferatu,
Ó mago, ó lacrimal anjo caído,
Ó humano, ó cavaleiro, ó cândida arte,

Ó Zeus, ó mártir, ó nimbus perdido,
Ó gárgula, ó meu nimbus inexato,
Quero amar- te, beijar-te e exorcismar-te!


LOST PAST

Amo-vos minhas pálidas lembranças,
Banhadas nas cascatas mais oníricas...
Amo-vos pelas vozes belas, líricas...
E por jamais trazerdes esperanças!

Amo-vos meus pecados infinitos,
Máculas de redutos infernais
Que trilham por locais celestiais,
Onde se escutam meus lívidos gritos...

Não há como matar este passado!
Não há como viver este presente!
E o amor? Deixa de lado o que se sente?

Mancha lembrança mácula pecado...
Um futuro que nunca morrerá...
Um passado que nunca chegará...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

ÁLVARES DE AZEVEDO: POEMA

(Caspar David Friedrich)

CREPÚSCULO NAS MONTANHAS

I

Além serpeia o dorso pardacento
Da longa serrania,
Rubro flameia o véu sanguinolento
Da tarde na agonia.

No cinéreo vapor o céu desbota
Num azulado incerto,
No ar se afoga desmaiando a nota
Do sino do deserto...

Vim alentar meu coração saudoso
No vento das campinas,
Enquanto nesse manto lutuoso
Pálida te reclinas

E morre em teu silêncio, ó tarde bela,
Das folhas o rumor...
E late o pardo cão que os passos vela
Do tardio pastor!

II

Pálida estrela! o canto do crepúsculo
Acorda-te no céu:
Ergue-te nua na floresta morta
Do teu doirado véu!

Ergue-te!...eu vim por ti e pela tarde
Pelos campos errar,
Sentir o vento, respirando a vida
E livre suspirar.

É mais puro o perfume das montanhas
Da tarde no cair...
Quando o vento da noite agita as folhas
É doce o teu luzir!

Estrela do pastor, no véu doirado
Acorda-te na serra,
Inda mais bela no azulado fogo
Do céu da minha terra!

III

Estrela d’oiro, no purpúreo leito
Da irmã da noite, branca e peregrina
No firmamento azul derramas dia
Que as almas ilumina!

Abre o seio de pérola, transpira
Esse raio de luz que a mente inflama!
Esse raio de amor que ungiu meus lábios
No meu peito derrama!

IV

Estrelinhas azuis do céu vermelho,
Lágrimas d’oiro sobre o véu da tarde,
Que olhar celeste em pálpebra divina
Vos derramou tremendo?

Quem, à tarde, crisólitas ardentes,
Estrelas brancas, vos sagrou saudosas
Da fronte dela na azulada c’roa
Como auréola viva?

Foram anjos de amor, que vagabundos
Com saudades do céu vagam gemendo
E as lágrimas de fogo dos amores
Sobre as nuvens pranteiam?

Criaturas da sombra e do mistério,
Ou no purpúreo céu doureis a tarde,
Ou pela noite cintileis medrosas,
Estrelas, eu vos amo!

E quando, exausto o coração no peito
Do amor nas ilusões espera e dorme,
Diáfanas vinde-lhes doirar na mente
A sombra da esperança!

Oh! quando o pobre sonhador medita
Do vale fresco no orvalhado leito
Inveja às águias o perdido vôo
Para banhar-se no perfume etéreo...

E, nessa argêntea luz, no mar de amores
Onde entre sonhos e luar divino
A mão do Eterno vos lançou no espaço,
Respirar e viver!

terça-feira, 27 de julho de 2010

JUNQUEIRA FREIRE: SONETO

(Caspar David Friedrich)


Arda de raiva contra mim a intriga,
Morra de dor a inveja insaciável;
Destile seu veneno detestável
A vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
Contra mim só, o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
O coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
Sei desprezar um nome não preciso;
Sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
De uns lábios de mulher gentis, ufanos;
E o mais que os homens são, desprezo e piso.

FAGUNDES VARELA: POEMA


(Caspar David Friedrich)



NÉVOAS


Nas horas tardias que a noite desmaia

Que rolam na praia mil vagas azuis,

E a lua cercada de pálida chama

Nos mares derrama seu pranto de luz,


Eu vi entre os flocos de névoas imensas,

Que em grutas extensas se elevam no ar,

Um corpo de fada — sereno, dormindo,

Tranqüila sorrindo num brando sonhar.


Na forma de neve — puríssima e nua —

Um raio da lua de manso batia,

E assim reclinada no túrbido leito

Seu pálido peito de amores tremia.


Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,

Das verdes, cheirosas roseiras do céu,

Acaso rolaste tão bela dormindo,

E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?


O orvalho das noites congela-te a fronte,

As orlas do monte se escondem nas brumas,

E queda repousas num mar de neblina,

Qual pérola fina no leito de espumas!


Nas nuas espáduas, dos astros dormentes

— Tão frio — não sentes o pranto filtrar?

E as asas, de prata do gênio das noites

Em tíbios açoites a trança agitar?


Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo

De um férvido beijo gozares em vão!...

Os astros sem alma se cansam de olhar-te,

Nem podem amar-te, nem dizem paixão!


E as auras passavam — e as névoas tremiam

— E os gênios corriam — no espaço a cantar,

Mas ela dormia tão pura e divina

Qual pálida ondina nas águas do mar!


Imagem formosa das nuvens da Ilíria,

— Brilhante Valquíria — das brumas do Norte,

Não ouves ao menos do bardo os clamores,

Envolto em vapores — mais fria que a morte!


Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado,

Teu seio molhado de orvalho brilhante,

Eu quero aquecê-los no peito incendido,

— Contar-te ao ouvido paixão delirante!...


Assim eu clamava tristonho e pendido,

Ouvindo o gemido da onda na praia,

Na hora em que fogem as névoas sombrias

– Nas horas tardias que a noite desmaia.


E as brisas da aurora ligeiras corriam.

No leito batiam da fada divina...

Sumiram-se as brumas do vento à bafagem,

E a pálida imagem desfez-se em — neblina!

domingo, 25 de julho de 2010

POEMA

(Van Gogh)
PARA A AURORA DAS CALAMIDADES

Sob o desamparo da infâmia corpos destituídos de significação. Jazigo de invioláveis estigmas, deserto de Ezequiel. Em nossas mãos o fel de traições remissíveis. Grande é o amor e sua renúncia. Cáustico estandarte de inermes recusas. Grande é o amor e sua redenção. Híbrido fulgor de sonhos idílicos. Como um olhar que cicatriza recordações. Entoa a lira um cântico contrito. Para a aurora das calamidades.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

GUSTAVO FELICÍSSIMO: POEMA

(Ruaz)



CANTO DE ORFEU

Teu corpo delgado

possui formas feitas

para as minhas mãos.

E por ser assim

o vento traz de longe o teu cheiro,

nas nuvens o teu rosto esculpido.

É sempre assim,

desde que não estamos juntos

meus sentidos saltam

pelas janelas,

antecipam-se à minha chegada.

É sempre assim

e isso não há de mudar,

pois entre um verso e outro,

afazeres e bancos de praça,

brilha no meu horizonte

a estrela da tua imagem.

Há esse brilho

e um campo de orquídeas

que te exaltam

e te observam quando passas,

porque passas tão linda,

tão bela quanto a lua.

Ai, minha amada,

olha bem nos olhos meus,

olha e verás rastros

e riscos de fogo.

Contra a fúria das águas me lancei,

ao inferno mil vezes voltei

sem luz, sem remo ou âncora

por ouvir a voz da fantasia

e a lira que se encantou por tua face.

Toma meu braço

e a majestade do verso,

eis tudo que te ofereço;

restituiremos à serpente o seu veneno

e a magia da poesia aos que não amam.

PEDRO MEXIA: POEMA

(Ruaz)
OS SIGNIFICADOS

Não sei como tudo começou: suponho
que havia uma figura que depois
se estilhaçou para formar um puzzle.
Mas se juntarem todas as peças
talvez não haja nenhuma figura, e então
de que origem intacta partiu tudo
o que depois se quebrou? É impossível
fazer estilhaços de estilhaços sem uma
coerência primeira, agora ausente.
Quando todas as peças se juntam
estaremos reduzidos ainda a uma peça
de uma figura maior, ou essa figura
é uma utopia pragmática, instrumental,
que permite algum sentido ?
Ó significados, para vós, na infância,
tinha um caderno.

terça-feira, 20 de julho de 2010

ENTREVISTA COM O POETA ROMMEL WERNECK


1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?

Escrevo desde os 7 anos de idade, mas comecei com contos e passei para romances aos 12 anos de idade, entretanto não eram obras boas, o que acontece é que os romances tinham um enredo e forma boas mas eu não conseguia colocar aquilo no papel com a solenidade que pedia. Hoje, com tempo disponível e computador, volto à prosa aos poucos e sem abandonar a poesia.

Aos 15 anos de idade quando estudei no Instituto Pão de Açúcar de Desenvolvimento Humano (2002). Até então eu escrevia apenas prosa e pouquíssima poesia. A minha inspiração veio mesmo a partir de novembro de 2002. Em seguida, ao longo de 2003 li Yolanda Ascencio e Rinaldo Gissoni, grandes poetas de minha terra e passei a compor sonetos. Nesta época o Instituto Pão de Açúcar expôs minhas obras e fui convidado a dar uma palestra na inauguração da exposição, foi minha primeira exposição e a primeira regência de aula. Em 2004, passei a freqüentar a Academia de Letras da Grande São Paulo por convite da coordenadora da biblioteca de São Caetano, dona Ana Maria Guimarães e de Dr. Rinaldo Gissoni, presidente da academia e ilustríssimo escritor. Venci também um concurso da Physis Editora, o Cruz e Souza em 5° lugar em rede nacional. Já em 2005, sofri bloqueio literário e passei a me dedicar ao teatro, foi quando prestei vestibulinho para estudar Moda na ETE José Rocha Mendes. Somente em 2007, voltei a compor, mas sempre tive preferência por uma linha mais arcaica, daí a referência gótica de minha poesia.

2) – Quais são suas influências literárias?

Yolanda Ascencio, Rinaldo Gissoni, Vinícius de Moraes, Florbela Espanca, Camões, Olavo Bilac, José de Alencar, Álvares de Azevedo, Machado de Assis etc Recentemente, descobri o poeta Alexei Bueno que também luta por uma literatura decente.

3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Primeiro, eu me inspiro. Em seguida, concebo um eu lírico porque ao contrário do que as muitas mentalidades ignorantes pensam, eu lírico não é o poeta porque quando componho um poema dizendo que quero me matar não sou eu que quero me matar. Aí parto e penso no estado do eu lírico que é um estado já vivido por todos nós, como a tristeza, a saudade, o amor etc, estado que será novamente eternizado, pois como todos deveriam saber a poesia é o gênero literário em que há um tempo todo especial, o Presente Eterno, isto já dito lá em Shakespeare no seu décimo sétimo soneto que muitos preferem tecer considerações sobre a vida sexual do autor.

Depois eu vou à luta, afinal, a inspiração consiste em apenas 1% e olhe lá ainda, a transpiração consome boa parte do processo, sendo que muitas vezes o próprio processo de transpiração já serve como inspiração, por exemplo, eu nunca compus um gregoriano anaclítico e o soneto em que estou trabalhando agora será nesta medida, tudo surgiu do desafio que também é uma inspiração.

4) – O que é poesia para Rommel Werneck?

É o gênero literário em que a expressão do estado da voz lírica se encontra num tempo presente que não foi passado e nem será futuro, o Presente Eterno, ou seja, a vitória da atemporalidade sobre os ruídos destruidores do tempo.

5) – Como você vê a relação entre a tradição e os movimentos de vanguarda no âmbito da poesia? Existe uma tradição perene na poesia?

Esta é a pergunta que mais me agrada. Sabe por quê? Porque é a forma de responder aos insultos da escritora protestante Raquel Donegá. Eu comentei no Poesia Retrô sobre o como nossa proposta é válida e citei o exemplo das igrejas católicas que são erguidas hoje e possuem inspiração no passado, é o caso da arquitetura paulistana. A Catedral da Sé, por exemplo, é um templo neo gótico com mosaicos diversos, dentre os quais o de nossa padroeira, Santa Ana, em estilo neo bizantino e ainda, a bela igreja possui uma cúpula neo renascentista. Veja bem, não é uma igreja no mesmo estilo da Catedral de Paris, é uma igreja do século XX com forte inspiração na Idade Média. A escritora respondeu atacando minha religião apenas porque se deu conta de que estava errada.

A História da Literatura é progressista, prova disto é que temos inúmeras escolas e movimentos, o Romantismo, por exemplo, surgiu em oposição ao Arcadismo. Entretanto, os adeptos do novo movimento também promoveram o resgate cultural da tradição medieval e é justamente isto que queremos hoje, um Novo Movimento Parnasiano para promover resgate cultural sem ignorar a modernidade mostrando a todos que não existe estilo poético ultrapassado porque poesia não é a poesia de ontem ou a poesia nova, simplesmente é a poesia de sempre para sempre.

6) – Em nosso país os movimentos de vanguarda acabaram por levar muitos poetas ao esquecimento ou marginalização e, sobretudo geraram concepções equivocadas quanto à grandeza de sua produção. Pensemos nos parnasianos. Nessa perspectiva, fale sobre a Poesia Retrô.

Meu TCC foi sobre uma análise da sensualidade masculina na obra Salomé, um trabalho envolvendo as três áreas em que tenho formação: Letras, Moda e Cênicas e claro, resgatando culturalmente uma obra ricamente bordada por lirismo.

Hoje, minha pesquisa está mais ligada aos abusos e absurdos literários. Infelizmente, surgiram grupos vindos do marxismo cultural que acreditam que primar pelo rigor estético como Oscar Wilde é criar marcas de opressão e a verdadeira literatura deve ser objetiva e concisa. A clareza literária está justamente no subjetivismo, no esplendor poético. Quer prova maior de concisão e pluriculturalidade do que as formas fixas? Além de serem desafios para o poeta (ele deve compor dentro das limitações propostas), são manifestações folclóricas! Na Itália e na Inglaterra, o soneto; no Japão, o hai-cai e a tanka; nos países árabes, o ghazal e outras formas; na França, triolet, rondel, na Península Ibérica, o vilancete, na Espanha e no Brasil, o indriso etc. Olhem como estas formas fixas são bonitas e populares! O grupo panfletário acha que apenas a intervenção social importa, acontece que ela já se dá no tripé autor, obra e público, ou seja, dá para termos sociedade numa poesia sobre amor, por exemplo. Existe também quem queira levar até a Catedral da Sé para os saraus da periferia porque logo toda poesia sem críticas políticas ou referências fora da periferia são ruins porque “tudo é ultrapassado”: métrica, rima, temas amorosos, arcaísmos etc. Há sarau que nem palco pode ter porque “todos são iguais”, sabe, às vezes, a gente sai de um sarau com uma vontade de ler e escutar poesia porque na verdade não escutamos nenhuma!

Paralelamente, reina o grupo fofinho composto por poetas que pouco importam com a forma da poesia, para eles o importante é lutar sentimentalmente pela paz e escrever frases diretas de amor e ajuda, é a versão “poética (se é que há versão poética disto) da “auto”-ajuda. E para isto, todos os dias recebemos imagens brilhantes banalizando o Romantismo, um movimento literário que precisa ser retomado com decência.

Pior ainda é ver que temos hoje inúmeros seguidores da nova religião editorial que não admite críticas e “infiéis”. Pouco importa que o termo grego “auto” signifique “eu” e, portanto, sugere que resolvemos nossos problemas sem ajuda de mais nada, como, por exemplo, um livro. O que importa é vender, vender e vender mesmo que para isso seja necessário revelar coisas óbvias e até mentirosas. Certos livros banalizam a Psicologia e a Teologia dizendo que tudo podemos conseguir com o pensamento positivo, creio que os gurus espirituais desta fé editorial deveriam ir à África alimentar as criancinhas que passam fome porque até elas “não possuem pensamento positivo e por isto não mudam o curso da vida”! Certos escritores tiveram uma vida tumultuada, mas isto não impediu que cantassem belamente na lira como Florbela Espanca que cometeu suicídio. Sinceramente, creio que a ABL deveria lançar uma campanha contra esses livros alienados e também contra o Código da Venda, mas é claro que não fará isto, afinal, foi-se o tempo em que tínhamos orgulho de lá.

7) – Comente sobre a dimensão religiosa presente em sua poesia.

Em agosto de 2008, escrevi o soneto “O Lírio da Guerra” registrado na pasta Anjo Morto já como um anúncio desta minha vertente. A partir de janeiro de 2009 passei a compor muitas poesias sacras para a pasta Profecia, registrada em fevereiro e marcada por muita poesia sacra. É importante recuperar esta vertente tão esquecida, minha proposta está em tratar a sacralidade não só em sonetos, mas também em ghazais, hai-cais, rondeis, sonetos com métricas especiais etc

8) – Você se considera um poeta católico?

Sim, eu professo a fé católica, mas sou um terrível pecador. Sempre que posso frequento a Igreja da Anunciação aqui no meu bairro de rito bizantino-eslavo, mas como é só 1 vez por mês nos outros domingos, frequento igrejas latinas do bairro, gosto muito do rito bizantino e também do tridentino.

Entretanto, uso minha pena para várias coisas, entre elas, tratar a sacralidade, mas a poesia sacra é apenas uma vertente, eu escrevo também noutras vertentes retrôs.

9) – A religião cristã, sobretudo a de confissão Católica, esteve presente na criação de muitos poetas, entre eles Dante, Milton, Eliot, Claudel, Jorge Lima, Murilo Mendes, em romancistas como Mauriac, Bernarnos, Julien Green, no círculo Católico brasileiro formado por Octávio Faria, Cornélio Penna, Lúcio Cardoso e Gustavo Corção. Podemos pensar também na esfera da arte representada por muitos pintores entre os quais Fra. Angélico, Caravaggio, El Greco, na arquitetura gótica e barroca. Na música. Essa dimensão parece sofrer um retrocesso em nosso tempo. Estaria o cristianismo tornando-se incapaz de gerar cultura? Estaria o catolicismo esvaziando-se no âmbito da criação artística?

O que acontece no campo literário é que hoje temos poucas produções sacras justamente por existir música católica influente tanto a tradicional como a carismática. Além do mais, é uma pena ver que certos concursos literários vetam a poesia sacra por considerar “apologia à religião”.

A poesia sacra precisa ser redescoberta na Igreja, tanto é que conheço excelentes poetas sacros, mas são protestantes, tem até sarau protestante, Dio Santo! O que precisamos é que a redescoberta aconteça inicialmente com aqueles que estejam com uma zona forte de influência como os padres mais famosos e os grupos de jovens, por exemplo. Com certeza, as pessoas tem sede de leitura, mas possuem sede de leitura decente e não de livros vendíveis, assim como necessitam de uma vida honesta e não de qualquer coisa.

ROMMEL WERNECK: SONETOS


LUA LACRIMOSA

Não chores, lacrimosa e nívea Lua!
Se algo que falei agora te magoa,
Perdoa-me por vil lágrima tua
Que em ti desliza e em mim, na alma, ressoa!

Não chores, não destruas a beleza!
Por minha causa, por causa do amor
Eu não quis te causar nenhuma dor
Sabes que te amo, Musa da Pureza!

Mas, mesmo sendo à noite, a sinfonia,
Ficarias mais linda sendo rosa...
Ficarias mais linda sendo estrela...

Tu, se me amares, pálida e tão bela,
Deixarás de ser lua lacrimosa,
E serás o Sol, luz, fonte do dia!


PULCRA

Como é suntuosa e pulcra a nossa lua!
Baila loucamente sem medo ou vertigem.
Na piscina, a bela deusa dança nua
E conserva o rosto de pálida virgem.

Se em nós arde a mácula por carne tua,
Em ti brilha a linda pureza de origem.
Os tons cor de rosa da pele tão crua
De bruno pecado e veneno nos tingem...

Congratulações a ti, grã soberana!
Permaneces pura, suprema flor casta,
Querida tu és pela legião vasta!

Mas como é prudente a deusa pulcra e pura,
Ela a rejeitar chega toda aventura,
Eu só te desejo lívida, Diana!


O LÍRIO DA GUERRA
Em agradecimento...

Por igrejas, bosques e rotas da França,
Desfilava o lírio da guerra, a guerreira
Que lutou e morreu por uma nação inteira,
Que no Cristo teve tanta fé e esperança!

A vida que tem também faces ferozes
Revelou-te a palma do santo martírio.
Aclamada sê, ó luminoso círio!
Aclamadas sejam aquelas mil vozes!

Para as bandeirantes, bela intercessora
Junto a Cristo, a quem tiveste mui fervor.
Para nós, cristãos, honrável professora!

Flamejante vítima da Inquisição,
Morreste sem medo, por adoração.
Porque não tem medo quem crê no Senhor!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

VINICIUS DE MORAES: SONETOS

(Bruno Steinbach)

SONETO DE DEVOÇÃO

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!


SONETO DE INSPIRAÇÃO

Não te amo como uma criança, nem
Como um homem e nem como um mendigo
Amo-te como se ama todo o bem
Que o grande mal da vida traz consigo.

Não é nem pela calma que me vem
De amar, nem pela glória do perigo
Que me vem de te amar, que te amo; digo
Antes que por te amar não sou ninguém.

Amo-te pelo que és, pequena e doce
Pela infinita inércia que me trouxe
A culpa é de te amar – soubesse eu ver

Através da tua carne defendida
Que sou triste demais para esta vida
E que és pura demais para sofrer.


SONETO DO AMOR MAIOR

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

domingo, 18 de julho de 2010

LUIS SERGUILHA

(Luiza Maciel Nogueira)
TEXTO 1


silêncio duradouro nos olhares arqueados. Um órfão na terra inventa as alavancas do deserto, a arqueologia da esfinge, o (re)nascimento do não-sentido e um homem de reminiscências solares abandona o espaço dos tumultos e entra na floresta isotrópica. em todas as direcções o homem é idêntico a ele mesmo. em todas as direcções o grito de Deus é o grito de toda a ausência.
os aposentos sábios das fábulas, a dispersão das calamidades, a descoberta da instrução do livro-do-VAZIO, das mordeduras raras, da voz-iniciática, das lenhas cosmogónicas onde o cloro dos mosquitos-cranianos e as teclas dos anarquistas-das-linhas-de-comboio como um compêndio de construções corporais envenenam as elásticas expectativas do triângulo das eiras.

vegetal-tijolo-golpes-de-irradiações(correntes eléctricas dos crustáceos). Túnicas-de-transparências de Michaux nas aguarelas de HÔGAN DAIDÔ.

Patas sulfúricas entoam nas batedoras de espontaneidades-espectrais. As respirações alquímicas reconciliam os abrigos geológicos das línguas. Viseiras zenistas sobre os alvos-gritos dos arabescos. Os bichos vertebrados coroam os pousios dos escavadores de labirintos. Cobras tambores instalam polaróides nas salamandras nocturnas. Mal-de-Hansen nas matracas ovóides dos contrafortes.

o trovão-neolítico a encilhar os cavalos de medronheiros em medronheiros e de ulmáceas em ulmáceas ______________, o milhafre-real passa entre o malmequer-do-campo e os maxilares dos cavaleiros-em-convulsão. contracções dos hinos das larvas planctônicas e uma família ora em casa reunida nas blandícias do evangelho. A linfa dos deuses desce ao útero-do-jardim. Infabulação ourobórica. A energia das origens do “ do golpe do anti-ceifo” sobre as criaturas-híbridas. O cântico da crisálida ergue a flor-do-invisível. Perseguições dos frémitos-demiúrgicos. O sagrado e o profano na respiração epifânica e na nómada ASCESE do mundo. RUPTURAS lancinantes emancipam-se.

aprumam-se os escafandros acústicos e os simulacros. Um arado de teias RUPESTRES.

as coxas-da-constelação-subterrânea, onde o ritmo das mãos-entre-colmeias-vermelhas marca a distinção dos cios na terra, são (quase desmoronadas) pelo sol-escaravelho que empurra inabalavelmente os ecos unificados impedindo as baforadas das sílabas-mercadorias e das emboscadas erectas.

_______ minúsculas embarcações na inquieta estância da terminante anémona-de-legendas-silenciosas como se os feixes desalojados da hipnose exaltassem as margens translúcidas dos firmamentos para partilharem uma amarra anárquica de águas...(pinturas selvagens. O HOMEM da dança-ritual)

entre as eclipses tépidas dos últimos invasores das arquitecturas _________ um vítreo-sulco; _________ na coincidência abreviada das supremas bocas, onde esvoaçam as respirações dos ímanes do pólen e a rigidez das sombras, patas-estacas; ___ latrina extemporânea a atear o entorpecimento dos fertilizantes rendidos à dissertação mutante dos vestidos da eclosão solitária, ________ as temperaturas das profundidades alimentam um mesmo corpo, ________ os bunkers de catéteres monitorizam as tendas-escoltas e as cesarianas dos COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS, _________ as fotografias aéreas traduzem os mapas multi-orgânicos, _________________ SOMBRAS: lanternas. Viajantes da intemporalidade. _______________ cópias da METAZOA, ____ impulsos dos flancos indivisíveis, _____________ a culminação do abandono da escoriação das FOSSAS ABISSAIS, o enigma da sedimentação, _________ as palmas incandescentes do silêncio _________, os ciclos dos germes coroam as abreviaturas dos mastigadores-de-prismas e os transportes dos frutos incorporam-se nas persianas/escamaduras-seculares.

das erupções imprevisíveis saem sílabas estriadas a fortificarem as concavidades das equações: ______ inaudível/ imperscrutável/obscuro centro dos riscos geológicos: ________ aceno admirável a ligar o princípio dos despenhadeiros à fresta piroclástica (às protuberâncias resinosas do remador-de-circunspecções) ______________ : os contornos das moradias exercitam as interpelações dos crepúsculos salteadores que retorcem as raridades e as extremidades das bocas-dos-antúrios desabam pacientemente entre as cúpulas minúsculas do sangue-orgástico e tudo vibra na inesperada dimensão-das-vagas.

(acumulações de ácidos na cortadura vertical) como uma fonte de árvores eclodindo nos espasmos das descendências dos vampiros ____ INCLINAÇÃO dos cântaros-de-incenso sobre o atalho despojado pelo turú _________ (ímpetos dos horários-dos-socalcos-em-putrefacção) ______um mural.um abismo ______.

na percepção da energia cinética dos ecos (claridade a radiografar a dramaturgia dos diamantes dos rizomas: limalha narcótica):

_____ boca extasiada de latidos-da-interdição na ascendência distinta dum pássaro:

ao alcance da ampulheta genética das amoras o PH-dos-testemunhos:

o piso permanente da orfandade sistólica para se reencontrar carregado de luz:

noutra boca inclassificável (colérica coligação de abrigos) onde a escarlate caligrafia da desnudez desaproxima a urgência da água em direcção à imutável papoila:

incomunicável fulcro a estancar o plânton da casa (Deus é a ausência do livro).

O homem retorna da floresta isotrópica no vapor da legenda da hortelã-aranha. (massagem de míldios injectada nos gemidos das genuflexões do húmus)____ ou apenas uma miragem de cofres-mãe-d’agua e de constelações?
a borboleta de Chuang-tzu fendida pela tecedura das crias do dilúvio e a circuncisão da nódoa dos rebentos fortalece a auscultação do sol na fugidia referência do naufrago geológico (HORTENSIUS DE CICERO). confidência a recolher a brancura neoplatónica da companheira METROPOLITANA. ==== cardumes de sopros. lábios enclavinhados. labirintos na haste embalsamada do grito. uma raiz transparente.

debruça-se pequeno monstro: eis o pousio do fogo. coléricos mensageiros na cobiça das tinturarias. Ouça as sirenes nas acomodações das rochas. Ouça o silêncio duradouro nos olhares arqueados, a úlcera dos SANGRAMENTOS, o nascer enluarado nas posições extintas das natas-das-fímbrias,
os rádios-dos-motoristas entre os cinzéis dos temporais, ___________as épocas metalizadas dos morcegos, as barbatanas dos aguaceiros, os enquadramentos (dos bichos das furnas), a inauguração meticulosa da acinesia, o desassossego das fábulas, os candelabros de Riumbaud, o dilúvio entre as entranhas hipnóticas da noite-das-arcadas ________.

loucamente os dialectos dos projectores arrastam-se até aos acenos unânimes dos pássaros-curvilíneos: devolução dos subterfúgios das lâmpadas aos adágios das ardósias-Ápis: ______ os organismos desinvestidos de sonolência confundem os rasgões da linguagem-desastre ao desfolharem as rugosidades dos maxilares-geológicos entre o apocalipse hereditário dos talhadores de Petra.

Memória de rotas antiquissimas. os dentes da transparência fraccionam as galerias das encostas vibratórias para apurarem a presença dos instrumentos das planícies-em-crescimento: ________ olho-de-boi, o selo das comunidades dos voos articulados cuidadosamente ao torso aos homoplatas: acrópole do trovão (o ar aberto a instilar salsugem nos contrafortes) _________ des-membramento dos patamares, o ar assimilando a caruma de chumbo-insecticida e os filamentos das distracções dos estaleiros como uma mesa de linhagens. O sol. a imensidade dos regatos inábeis. a guarnição-de-enxofre reconstruída pelos projectores da ebriedade-da-docuficção onde o utensílio brevíssimo da ondulação das árvores admite o dilatado sobre as âncoras instantâneas. cordas vocais armazenadas nas implacáveis asas (hastes cunhadas pelos nervos dos atiradores furtivos).

Minérios: ____________________ os ciprestes e as travessias luzem ao encerrarem-se supremamente nos jactos do restolho caligráfico para urdirem as tábuas de ar no ócio das cúpulas viciadas pela sonoridade dos marfins que separam a germinação/lapidação das moradas nocturnas:__________ anémona dos périplos das fundições (os favos das sombras emolduram-se na irradiação das crateras e as grades órfãs estendem-se pela vela e pela crina das ressonâncias vaporizadas entre os apanhadores de abelhões anestesiantes: ______ aros dos astros salinizados: _______ estirpes das monções planetóides (_______ cenários a balbuciarem no mercado dos inquietadores de baleias): crustáceos amplificados nos pigmentos das rotações artesianas e a febre das manchas-das-espigas esgota-se nos arames tingidos pelo estrume dos nascimentos vertiginosos ):__________embocadura.

O flagrante nas inaugurações dos controlos aeroportuários que veneram o pequeno sorvedouro da adivinhação na cumeeira dos álamos-dos-quartéis: _______ flautas-de-ácido, os olhos da gorgona, (vistos das aprendizagens electrónicas) onde os beijos dos amantes são oxidados no monte incomunicável de dois pássaros.

(batida de lâmpadas-do-metabolismo), precipício perpetuamente multicolor a projectar os icebergues das mandíbulas.

uma pedra. outra pedra de seiva transversal. a equimose desordenada do corpo-cataclismo. (LESÕES INTERNAS rentes às ignições das olências das cavernas): o violinista vocifera a expansão dos gatilhos da cordilheira para desenrolar as esporas monossilábicas equivalentes aos anteprojectos das dunas solares: (a rosácea dos labirintos, aquela que desmancha os caminhos o espreita nas fronteiras do acontecimento-subterrâneo-das-vertebras-acesas-de-trajectórias-entregues-às-pétalas-do-mercúrio-dos-espelhos-que-constroem -glotes-farejadoras e nas-dinastias-transitórias-dos-vulcões-balsâmicos-a purificar-o-sândalo-do-fóssil) _________________ Deus é a ausência do livro. (e o livro se torna a lenta decifração de sua ausência. Disse reb Ségré com duas vozes).


sexta-feira, 16 de julho de 2010

NYDIA BONETTI: POEMA





dan_oiseau

imensa, a árvore

me fez voltar à infância

flores

o que meus olhos viam

(eu desejava os frutos)

as mãos se aventuravam

na vertical vertigem

dos galhos altos

(eu desejava o vento)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

JOHN MILTON: PARADISE LOST

(Gustave Doré)

CANTO I

Logo a monstruosa corpulência eleva
Vertical sobre o lago; as fluidas chamas,
Lançadas para trás, eis que se inclinam
Em agudos debruns de novo ao centro,
E desabando encapeladas formam
Um vale, todo horror. Abrindo as asas
Dirige para cima um leve voo,
Equilibrado em ferrugíneos ares
Que sob o peso não usual gemeram;
Depois se foi pousar na seca terra,
Se era terra o que ardia em duro fogo
Como ardia a lagoa em fogo fluido.

“Eis a região, o solo, aestância, o clima,
E o lúgubre crepúsculo por que hoje
Os Céus, a empírea luz, trocado havemos!
(O perdido anjo diz). Troque-se embora,
Já que esse, que ficou dos Céus monarca,
O que bem lhe aprouver mandar-nos pode.
É-nos melhor estar mui longe dele:
Se a sublime razão a nós o iguala,
Suprema força o põe de nós acima.

Adeus, felizes campos, onde mora
Nunca interrupta paz, júbilo eterno!
Salve, perene horror! Inferno, salve!
Recebe o novo rei cujo intelecto
Mudar não podem tempos, nem lugares;
Nesse intelecto seu, todo ele existe;
Nesse intelecto seu, ele até pode
Do Inferno Céu fazer, do Céu Inferno.

Que importa onde eu esteja, se eu o mesmo
Sempre serei, - e quanto posso, tudo?...
Tudo... menos o que é esse que os raios
Mais poderoso do que nós fizeram!
Nós ao menos aqui seremos livres,
Deus o Inferno não fez para invejá-lo;
Não quererá daqui lançar-nos fora:
Poderemos aqui reinar seguros.
Reinar é o alvo da ambição mais nobre,
Inda que seja no profundo Inferno:
Reinar no Inferno preferir nos cumpre
À vileza de ser no Céu escravos.

Tradução: Antônio José Lima Leitão

T.S. ELIOT: THE WASTE LAND


I. O Enterro dos Mortos

Abril é o mais cruel dos meses, germinando
Lilases da terra morta, misturando
Memória e desejo, avivando
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão nos surpreendeu, caindo do Starnbergersse
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E caminhamos ao sol pelas aléias do Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Bin gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E deslizamos encosta abaixo.
Nas montanhas, lá, onde te sentes livre.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.

Que raízes são essas que agarram, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o
canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate,
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina se elevando ao teu encontro;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.

Tradução: Ivan Junqueira

quarta-feira, 14 de julho de 2010

POEMA


A JUSTA MEDIDA

Seria preciso muito mais do que um simples aperto de mão ou mesmo um sorriso esquivo entre estranhos que se cruzam repentinamente. Seria preciso muito mais do que meros sentimentos ocasionados por meras palavras proferidas em circunstâncias adversas ou propícias. Seria preciso muito mais do que a resignação pelo não dito, pelo não correspondido apelo de muitos, pelo pouco que ainda resta (não o suficiente para engendrar o esquecimento) do convívio exaurido, da esperança segregada. “Outrora sonhaste o impossível em meio aos limites do cotidiano. Prata que reluz sobre cinzas de recordações?” Seria preciso a recusa da farsa diária, subjacente em cada solidão comungada, em cada mentira partilhada. Seria preciso o questionamento permanente das razões vigentes. Seria preciso saber amar e esquecer, e às vezes odiar a justa medida de cada acontecimento.

terça-feira, 13 de julho de 2010

JEFFERSON BESSA: POEMA

(Marcelo Grassmann)
PARA ME CHOVER

permaneço no quarto que não se abre
a chuva já começou a cair
a rua está úmida, as águas acontecem
abriram-se as portas, mas a demora
me continua na noite do calor passado
sentado ainda no ontem que estou.
demorado quarto dentro de paredes
arrastadas na distância de banharem-se
à espera do lentamente vir do tempo
e no espaço desembrulharem as camadas
pintadas de concreto resistente ao frescor
confinadas no intervalo anterior à manhã.

aguardarei a hora da tarde para me chover.

domingo, 11 de julho de 2010

ROMMEL WERNECK: SONETOS



PÁLIDO PECADO

Oh! Pálido Pecado da gris Morte,
Numa misteriosa e bela dança!
O jogo dos olhares... Esperança!
O movimento quente, lindo e forte...

Oh! Pálido Pecado que em mim lança
Fascínio, sedução... Oh falsa sorte
Que me deixa sem luz, céu, vida e norte!
Maldita e imaculada! Triste dança!

Oh! Pálido Pecado... Juventude...
Dança, dança, divina grã-beleza!
Dança, dança, lasciva grã-pureza!

Dança sem fim, desejo atormentado...
Virtude escura... Pálido Pecado...
Oh! Pálido Pecado de virtude!


CÂNTICO

Eu te seguirei pela alta montanha,
Levando ungüento santo e tantas flores,
Para converter minha vida em cores,
Mesmo que a tentação seja tamanha.

Eu chorarei sedentos desencantos,
Buscando um sentimento bom e brando.
Eu te oscularei tanto, lambuzando
Meus lábios em sonhosos mil encantos.

Eu te seguirei pela nossa igreja,
Procurando teus olhos de cereja,
Pelas festas ou por certo caminho...

Lembranças de um fugaz tempo cansado,
Um passado distante bem sozinho,
Um passado que nunca foi passado...

JORGE ELIAS NETO: POEMA


ENCOSTA DO MUNDO

Na encosta do mundo (sim, pois realmente existe um mundo impensado por nossos contemporâneos cientificamente munidos com incoerência), um acaso de pedras precipita-se sobre um mar inaudito. Nela, as ondas batem desfazendo precipícios. Existisse o homem ali, retomaria os mitos ou se lançaria ao mar. Mas findaram-se os séculos das navegações, e pereceram, à força do fogo de canhões, as últimas cidadelas. Na encosta do mundo o que se perde, não se conta como tempo. A encosta do mundo se preserva em uma dimensão refutada pelo homem.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

IACYR ANDERSON FREITAS: POEMA


SUBSOLO

este silêncio é antes
o estertor
de coisas nascendo

esteios abertos no alfarrábio

um outro
talvez sentisse o outono
como eu o tenho nesta tarde:
ilhas de auspício e dano céu
cavado em suas túnicas

nos subsolos
ainda envilece sua furna

somos a ficção de um deus
sua orfandade extrema


mas apenas órfãos
nos sentimos

até mim alteiam-se as árvores
e há raízes
rompendo o solo
em que meu corpo se estrutura

argila desse paraíso macerado
amo os sóis que em mim se arvoram

amo sua babel
e seu incêndio:
último sepulcro

junto ao jazigo
de tudo

quinta-feira, 8 de julho de 2010

MINIMALISMO INTIMISTA: DOIS POEMAS DE NYDIA BONETTI

(Oswaldo Goeldi)


última flor

terra exaurida
cansada

entregue
oferta
sua última flor


ilha

(sou) ilha
que se afasta do que foi
l--e--n--t--a--m--e--n--t--e

sonhando
com seu (meu) pedaço
c--o--n--t--i--n--e--n--t--e