sábado, 27 de junho de 2009



Jean Narciso Bispo Moura nasceu no dia 31 de outubro de 1980 na cidade de São Félix – BA, é autor de três livros de poesias, “A lupa e a Sensibilidade”, 2002, “75 ossos para um esqueleto poético”, 2005 e “Excursão incógnita”, 2008. O poeta tem poemas publicados em antologia latino-americana e também teve seus textos traduzidos para o inglês e também para a língua romena, figura também como o único brasileiro a participar da edição no n° 37 da Other Voices Poetry, revista que reúne poetas de diversas nações e é ligada a UNESCO. Jean Narciso é professor de filosofia da rede estadual paulista e reside atualmente em Itaquaquecetuba, município que pertence à região metropolitana de São Paulo.
Entrevista com o poeta Jean N. B. Moura


1) – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?

Lembro que ainda na oitava série do ensino fundamental despertei para o gosto literário, apareceram nesta época os meus primeiros poemas quiçá mais tarde um poeta (risos). Tive uma professora chamada Regina que sempre acreditou em minha capacidade de escrita e ouvi pela primeira vez de sua boca que era poeta e acredito nisso até o dia de hoje.

2) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

A aparição de minha poesia se dá em situação de conflito, um acerto comigo e o mundo, busca de pacificação mental. Geralmente ela surge quando estou caminhando na rua, em casa, em meu local de trabalho, no ônibus, sou afligido por algo que me impulsiona a escrever, porém, este texto exige trabalho, constantes reescritas e um processo de amadurecimento, período em que engaveto por longos meses e às vezes anos.


3) – O que é poesia para Jean N. B. Moura?

Possibilidade de lançar a minha própria profecia, um ato de laicizar os sonhos humanos, extraindo-o para um plano real, onde as mãos e o pensamento possam alcançar sem se entregar às divagações que subtraem os apelos sensoriais e racionais, uma poesia do homem para o homem, vista em qualquer dimensão numa linha horizontal.

4) – Como você vê a relação entre poesia e filosofia? A linguagem poética seria o caminho mais propício para expressar o Ser?

Quem escreve busca resposta procura responder para si e posteriormente para outrem alguma coisa que parece nublada, que ainda não tem a nitidez necessária, portanto a poesia é parte da filosofia na concepção de proporcionar perguntas que inquietam o individuo, no caso o poeta, um construtor de indagações.


5) – Em Excursão Incógnita, você diz “Ouço a poesia em um idioma que jamais conheci/A beleza de sua voz não conhece o relógio/Sou analfabeto quando leio a sua escritura”, a dimensão poética extrapola a pretensão do poeta de encerrá-la no poema? É possível uma poesia de cunho puramente racional?

O homem não escolhe a poesia, não escolhi ser poeta, apareceu para mim está condição, e não a renego, pois se a renegasse certamente estaria perturbado. Por isso escrevo e acredito por mais que sejamos capacitados intelectualmente jamais nos aproximaremos em força poética de um poeta de renome internacional, um prêmio Nobel de literatura, se não tivermos a força de sugar as sensações universais da possibilidade de captar os sentimentos de um homem de Londres, da Índia até aquele dos mais remotos arquipélagos da Oceania. A poesia não se faz apenas com técnica, é preciso de criatividade aquela que parece espantar e demolir toda desesperança, uma espécie de ressurreição, este é o papel do decifrador de idiomas desconhecidos, inconfesso caçador de esmeraldas literárias.


6) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Qual o papel da internet em termos de divulgação de poesia?


Apesar de estar longe do cenário poético atual, de me considerar uma voz distante, quase inaudível, vejo que a poesia está em um momento bastante produtivo, precisaríamos de cinqüenta anos a nossa frente para olhar e ver a beleza de nossos poetas, temos muitas vozes que insistem em dizer que nossa produção é apenas mimetismo de vozes anteriores a nossa, pelo que sei a única poesia autêntica é a dos gregos, as demais são mimeses. A Internet colabora na difusão de vozes poéticas novas e ainda desconhecidas, importante aliada para que todos aqueles que tem dificuldade de ingressar no mercado editorial ou ainda não tem um material suficiente para publicação, tenha seus textos divulgados e lidos na rede mundial de computadores.


Poemas de Jean N. B. Moura

Distância cega

Enxergo com os pés o caminho
Esqueço que ele cheira queimado
O amarelo desfila como um sultão.
Os cílios, as pálpebras que viraram cinzas.
Forram a urna com um pano verde
E anuncia em silêncio a minha história.

Os soldados cansados

A distância causa cegueira
Em algum lugar
Mais longe do que a força
Dos meus pés.
Alguém desenha um Himalaia com um graveto
Eu que sempre vivi nas planícies.


Constatação

Mergulho no escuro
No porão dos humanos
Lá o veneno da víbora é dócil como qualquer uma dessas borboletas.

Poética

Mergulho no claro
Na profecia que levita os meus pés.

Ausência da rosa

As profecias carnais já foram ditas
Remanesce a sensação de pescar baleia em rio seco.
O tempo guilhotinou a frase virgem
Homens antes de nós, deitaram em sua rosa.
Segredos guardados apenas aos vivos colibris.
Homens e mulheres se acocoram na reinvenção solitária.

(Do livro Excursão Incógnita)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O blog Poesia Diversa tem a honra de entrevistar a poeta Teruko Oda, residente na cidade de Cotia, São Paulo, membro do Grêmio Haicai Ipê, autora de diversos livros dentre os quais Janelas e tempo (Escrituras Editora, 2003), Flauta de vento (Escrituras Editora, 2005) e Flores do asfalto (Neko Books Editora, 2002).

A poeta Teruko Oda


Entrevista com a poeta Teruko Oda


1 – Como ocorreu seu contato inicial com o haicai?

Conheci primeiro o haiku (poema escrito em japonês), ainda na infância. Meu pai foi discípulo de Nempuku Sato (emigrante japonês que veio ao Brasil com a missão de ‘plantar um país de haicai’). Sato foi um mestre itinerante – as reuniões eram realizadas nas casas oferecidas pelos praticantes. Em muitas ocasiões, tive a oportunidade de ajudar minha mãe na tarefa de preparar e servir chá verde e doces caseiros aos amigos de meu pai. São experiências que marcaram a minha infância. A essa época, eu nem imaginava que o haiku pudesse ser escrito em português. ‘Descobri’ essa possibilidade anos mais tarde, por meio dos textos de Millôr Fernandes publicados na revista O Cruzeiro. Comecei a escrevê-los de forma sistemática entre os anos de 1988/89, a convite de Mestre Goga, ocasião em que passei a freqüentar as reuniões do recém fundado Grêmio Ipê em São Paulo.

2 – Quais são as principais características do haicai?

Regra geral, definimos o haicai como a menor forma poética do mundo. Composto por dezessete sílabas (ou próximo disso) distribuídas em três versos, seu conteúdo deve estar relacionado a uma das estações do ano. De acordo com as orientações da escola dita tradicional, da qual sou seguidora, eu diria que, na prática, o haicai é uma breve anotação sobre um acontecimento natural: um terceto cujo diferencial reside no modo como o autor registra sua experiência poética. Pela voluntária atitude em ater-se ao essencial, o poeta não explicita os detalhes da emoção ou da sensação vivenciada. Pelo contrário, o autor e seus sentimentos deixam de ser o assunto central do poema para dar lugar ao efêmero, ao transitório, ao que está acontecendo aqui e agora representado pelo kigo (palavra ou termo de estação). Penso que o registro limpo e objetivo de uma sensação muito intensa onde fugacidade e eternidade se entrelaçam ao mesmo tempo forte e frágil, e cujo ecoar nas cordas da sensibilidade nos conduz à percepção mais ampla de que ‘o tempo passa’, é uma das principais características do haicai.

3 – Como você vê a relação da prática do haicai na poesia brasileira? Qual seria sua contribuição?

Nesta nossa era globalizada, os meios de comunicação parecem estar sempre presentes no local exato do acontecimento, antes mesmo que o fato ocorra, tamanha a rapidez com que as notícias se tornam universalmente acessíveis. Se por um lado esse avanço tecnológico favorece nossa inserção no disputado mundo dos homens bem sucedidos, por outro, favorece, também, as bruscas mudanças que atropelam os rumos e os interesses dessa mesma sociedade antropofágica em que nos transformamos. Essa necessidade quase compulsória de nos robotizarmos, de nos superarmos em prol de nossa própria sobrevivência, de certo modo nos torna mais frágeis, mais vulneráveis, e nos obriga a repensar valores, a buscar o essencial. O haicai é exatamente isso – uma poesia que vem de encontro às nossas necessidades atuais: despojada, simples e objetiva que se vale apenas do suficiente. Nesse contexto, parece-me que o haicai é um novo caminho. Uma opção através da qual nos recusamos a continuar inserindo nas três linhas do poema um discurso lírico recheado de sentimentalismo e ‘enfeites poéticos’. Entendo que haicai não é um poema que se resolve por si, isto é, não é apenas produto final. Seu recado vai muito além: é despojamento, atitude consciente de negação do ego, filosofia de vida, valorização do essencial. Não será a busca por esse novo jeito de ser e de estar no mundo, aliada a uma nova linguagem, um grande acréscimo à poesia brasileira? Por outro lado, para compor haicai não é necessário ter nascido poeta, mas é fundamental amar a natureza. Aí sim, está uma das grandes contribuições do haicai, não só para a poesia brasileira, como também para o planeta Terra. Acredito que este tipo de texto, breve e conciso, favorece o despertar do interesse pela leitura e pela poesia, principalmente entre as crianças.

4 – Quais poetas você destacaria?

Acredita-se que hoje existam, entre anônimos e famosos, mais de dois mil haicaístas adultos no país. Entre as crianças, comprovadas pelas inscrições em concursos de haicai coordenados por membros do Grêmio Ipê, o número de praticantes é superior a cinco mil. Nesse universo composto por poetas de todas as idades e tendências, e onde se incluem oito grêmios de haicai em franca atividade, há dezenas de belos poemas que eu gostaria de ter escrito. Então, considerando a possibilidade de cometer injustiças, prefiro não citar nomes.

5 – Poderíamos dizer que existem duas dimensões interdependentes no haicai, a saber, uma dimensão imagística e uma dimensão meditativa?

O haicai, por ser sugestão poética (e não produto final como a trova, por exemplo) é um poema que se presta a várias leituras ou interpretações: é um convite a uma viagem, tanto mais rica quanto maior a experiência de vida do leitor junto à natureza.

Livros de Teruko Oda


Haicais de Teruko Oda


No ipê amarelo
nenhum indício do vento
que acaba de passar...


No caule sem ponta
a certeza de um novo tempo –
Broto de roseira.


Dente-de-leão –
Fugacíssima florada
lembrança que fica.


Fascínio de estrelas
na manhã ensolarada –
Magnólia florida.


Campa de meu pai –
Orquídea de primavera
no seu aniversário.


Teimoso, renasce
entre as fendas do jazigo –
Capim de primavera.


Ruas silenciosas –
Na manhã cheia de sono
flores de campânula.


Tronco da minerva –
Escora de lixo ensacado
auge da florada.


Sol entre as nuvens –
Na avenida permanece
o flamboyant florido.


Visito um amigo –
Na casa que é só ternura
lágrimas-de-cristo.


Ondulando ao sol
as rubras flores-de-cana –
Berçário do vento.


Palmeiras ao vento –
O frescor da chuva mansa
feita de ruídos.


O vento descansa
na copa que se abana –
chapéu-de-sol.


À luz do crepúsculo
tão crescida e tão florida –
Tulipa-africana.


O vaso de orquídea
de meu pai que já partiu –
Agora são flores.


Brevíssimo sonho –
As asas da falenopse
lufada de vento.


Um ar sonhador –
Seguindo o rumo do vento
a crista-de-galo.


Diminui o passo
o velhinho já tão lento –
Flores de suinã.


Canteiro de azaléias –
Incontáveis como as flores
os sonhos de outrora.


No jardim bem cuidado
solitário florescer –
Orquídea de inverno.


Vai alto o dia –
As lanternas não se apagam
na acácia mimosa.


Breve nostalgia –
Entre os prédios do horizonte
flores de ipê-roxo.


Apanhando a paina
a desconhecida me fala
da flor que já foi...


Tosca sepultura –
Folhas secas ocultando
um nome esquecido.


(Do livro Flores do asfalto)


Arara, arara...
Vê findar mais um dia
o pássaro preso.


Guirlandas ao sol –
Um beija-flor pesquisando
flores de cetim.


Um quê de inquietude
no balé das borboletas –
Tarde de outono.


Chega com o vento
um insistente chamado –
Cigarra de outono.


Um quê de leveza
no roçado ainda seco –
Canta o curió.


Horas quase mortas –
Fosforescências-do-mar
tão plenas de vida.


Gangorra de vento –
Um pequeno louva-a-deus
na haste do capim.


Imensa quietude –
Ao ranger da porteira
canto do nambu.


Um picar de olhos
seu único movimento –
Pardal de inverno.


Brevíssimo brilho –
No límpido espelho d’água
o salto da rã.


Mais um Ano Novo –
No casco da tartaruga
o tempo que não vejo.


Como versos livres,
ao toque dos tico-ticos,
as flores que caem.



(Do livro Flauta de vento)